Na última quarta-feira os economistas Pedro Ferreira e Renato Fragelli publicaram artigo no Valor em resposta ao artigo de Bresser Pereira, que tratei aqui. Na oportunidade questionei se seria possível controlar a taxa de câmbio. Minha indagação foi tratada pelos citados autores, quando dizem que "Isto porque juros e câmbios são preços e, portanto, determinados pelas forças de mercados e fora do controle direto dos policy makers no médio e longo prazo. Dependem da poupança, contas públicas, demanda, reservas internacionais, taxa de juros externas, entre outras variáveis. Isto é, são endógenas e não exógenas". Esse tipo de raciocínio, tido como neoclássico (ou liberal, ou ortodoxo), é diametralmente oposto ao pensamento de Bresser, isto porque, para ele, "A diferença fundamental está na tese que só uma taxa de câmbio equilibrada, de 'equilíbrio industrial', pode garantir o crescimento acelerado ou o 'catching up' - uma taxa que torna competitivas as empresas nacionais de bens comercializáveis (tradables) que usam tecnologia moderna, e não apenas as exportadoras de commodities". Entre os economistas, a discussão Fragelli e Ferreira vs. Bresser Pereira não é nova, principalmente em relação à taxa de câmbio. A questão maior, entretanto, é entre economistas do lado da oferta versus economistas do lado da demanda: o que cada grupo defende?
O que gera crescimento econômico ou a riqueza das nações, no clássico de Adam Smith, tem sido esmiuçado por uma infinidade de economistas desde a revolução industrial, notadamente. A análise, entretanto, se divide basicamente em oferta e demanda. Os economistas do lado da oferta pensam como Ferreira e Fragelli, isto é, tendem a colocar mais peso no ambiente econômico no qual os fatores de produção (capital e trabalho, principalmente) serão utilizados. Já os economistas do lado da demanda dão mais evidência ao que Keynes chamou de demanda efetiva. Nessa visão, ainda que o ambiente econômico fosse livre de imperfeições - como a existência de preços rígidos - haveria incerteza em relação ao comportamento da demanda por bens e serviços.
A análise macroeconômica tradicional resolveu essa aparente dicotomia supondo que no curto prazo a incerteza em relação à demanda por bens e serviços gera, de fato, um equilíbrio "sub-ótimo", em que pode existir capacidade ociosa na economia. Essa incerteza é agravada pela existência de imperfeições de mercado. Nesse aspecto, a demanda efetiva é quem determina o nível de produto que pode ser alcançado. No médio e longo prazo, entretanto, os determinantes típicos da oferta agregada, isto é, os determinantes últimos do ambiente econômico no qual interagem trabalhadores e empresários são quem gera maior ou menor produto.
Nesse aspecto, o trabalho do macroeconomista é verificar no dia a dia como se comportam as expectativas de empresários e trabalhadores em relação ao futuro. Expectativas otimistas alimentam consumo e investimento, gerando maiores taxas de crescimento econômico. Além disso, macroeconomistas também se preocupam no uso eficiente dos fatores de produção, verificando como as instituições estão se modelando, como o capital humano está sendo qualificado, se as leis são simples e corretamente executadas etc. Desse modo, a análise elementar da profissão não tem maiores problemas em relação ao dilema de fundo do debate entre os professores Bresser Pereira e Ferreira-Fragelli.
As coisas complicam, entretanto, quando o macroeconomista precisa não apenas inferir sobre o estado da economia em diferentes prazos, mas gerar diagnósticos sobre problemas e preescrever soluções. É justamente nesse nível de abstração que as discordâncias entre os economistas se revelam. E aqui, na minha leitura particular, tal divergência se dá em torno da importância relativa dada à oferta ou à demanda.
Keynes, nesse aspecto, não foi quem iniciou a linhagem dos "economistas do lado da demanda". Tal discussão remonta ao século XIX, com Malthus e o próprio Marx. Nessa concepção, a incerteza inerente às economias de mercado é, em última instância, a causa de maior ou menor crescimento econômico. Em outros termos, o peso dado à incerteza é fundamental para entender o quão próximo ou distante um economista estará desse grupo. Isto porque, se a incerteza é irremediável, economistas do lado da demanda preescreverão soluções baseadas em "bengalas" para as economias de mercado. O mecanismo de preço, por si só, não pode levar ao pleno emprego, necessitando de ajuda para tal.
É nesse aspecto que economistas do lado da demanda tendem a preescrever soluções baseadas na coordenação estatal. Problemas de competitividade, por exemplo, são resolvidos com políticas industrais ou com controle da taxa de câmbio. Isto porque, sem uma taxa de câmbio tida como competitiva, empresários não têm demanda para seus produtos, deixando de investir. Menos investimento: menor será o crescimento econômico.
Os economistas do lado da oferta, por outro lado, procuram se identificar com a visão posta por Adam Smith, ainda que o pensamento neoclássico só tenha se consolidado no fim do século XIX - e não tenha nada que ver com valor-trabalho. Para esses a "coordenação pelo Estado" mais atrapalha do que ajuda, haja visto que as intervenções estatais se tornam recorrentes, dificultando a correta extração do sinal dado pelo mecanismo de preço. Em outras palavras, ainda que a incerteza seja irremediável dentro de uma economia de mercado, o melhor que o Estado tem a fazer é tornar o ambiente o mais azeitável possível, de modo que os agentes consigam realizar seus cálculos econômicos com razoável grau de acerto.
A incerteza não é, nesse sentido, "esquecida" pelos economistas do lado da oferta: mas tratada como um "ruído". Ruídos, em questão de grau, podem ser maiores ou menores. Quanto maior o intervencionismo estatal, maior é o ruído, maior é a incerteza em relação ao futuro, mais pessimistas são as expectativas dos agentes, menores serão o investimento e o consumo, menor será o crescimento. Políticas industriais verticais, por exemplo, que beneficiam alguns setores em detrimento de toda a economia causam distorções no mecanismo de preço, dado que geram preços (juros) menores para uns ao custo de preços (juros) maiores para outros. Inerente às economias de mercado, a incerteza é mais um dos muitos problemas a que estão sujeitos trabalhadores e empresários no momento de tomar decisões econômicas.
É nesse contexto teórico que está inserida a discussão entre Fragelli-Ferreira e Bresser. As soluções ortodoxas ou desenvolvimentistas exprimem um modo de pensar a economia. Os economistas, infelizmente, não podem fugir dessa "filiação" teórica, enquanto discutem questões macroeconômicas. Em outros termos, a neutralidade nesse jogo é simplesmente impossível.
*O artigo de Fragelli e Ferreira pode ser lido aqui.