O homem busca responder perguntas sobre o tempo e o espaço há mais de vinte séculos. Só recentemente, entretanto, essa busca foi envolta em métodos científicos capazes de testar ou provar complexos teóricos. Mesmo a matemática, tida como a mais "científica" das ciências, só no século XX sistematizou seu conhecimento no método axiomático. A despeito disso, ainda há matemáticos que preferem a "heterodoxia", recusando os preceitos estabelecidos por Euclides e Aristóteles. Se é assim com números e símbolos, o que dirá da economia, alçada ao grau de ciência há tão pouco tempo? Será que, de fato, podemos reivindicar o título? Ou seria melhor abster da homenagem e ir por outros caminhos?
Os que preferem outros caminhos geralmente usam o argumento do objeto. A economia lida com homens e mulheres de vontades, anseios e decisões voláteis, geralmente não atendendo a qualquer lógica ou racionalidade. Dessa profusão de sentimentos mais qualitativos do que quantitativos é pouco provável que surja um corpo teórico observável, dizem. A economia, assim, é mais política do que propriamente regida por leis e fundamentos invariáveis. Estamos combinados?
De certo que não. Desde o monumental A Riqueza das Nações, escrito pelo escocês Adam Smith em 1776, uma revolução metodológica se inseriu na economia. A despeito do que muitos ainda possam pensar, ciência e verdade, afinal, não são sinônimos. O método científico é o instrumento utilizado pela ciência para testar hipóteses, teorias, digressões. A forma como a teoria é construída diz pouco - ou quase nada - sobre sua capacidade de explicar a realidade. É só o confronto com o fato empírico que lhe fortalece - ou lhe deixa no limbo das teorias mal feitas.
Uma ciência, desse modo, que esteja salva do confronto com a realidade não é ciência: mas um conjunto melhor ou pior de observações. É justamente por isso que a validade do método dialético para examinar o mundo tem sido frustrante para seus usuários. Não podem nunca afirmar ou predizer algo, justamente por estarem imunes ao confronto com o fato empírico. As coisas, afinal, podem ser A ou B, dadas as funcionalidades e desfuncionalidades de uma determinada categoria teórica. Onde está o avanço científico nesse tipo de coisa?
O confronto com o fato empírico, ressalta-se, tem que levar o tempo em consideração. Uma teoria moldada no século XVIII, no auge da primeira etapa da revolução industrial é em muitos graus diferente de uma teoria que tenha a informática e as telecomunicações como aliadas. Não faz muito sentido, afinal, falar em "pangeia" econômica lá, mas talvez estejamos próximos hoje. E isso faz toda a diferença para construir modelos macroeconômicos, por exemplo.
Afinal, para crescer e se desenvolver devemos insistir em modelos que olhem para dentro? Devemos continuar elegendo campeões nacionais, como a Coréia da década de 60? Ou devemos integrar a indústria, fortalecer os mercados de capitais, para a competição externa? Subsdiar ou reduzir ineficiências?
E o que dizer dos fundamentos econômicos? Devemos, uma vez mais, subjulgá-los, e alterar sem pudores os preços relativos? Juros altos e câmbio apreciado, afinal, são sintomas de nossas vontades maléficas?
Políticas industriais verticais, juros baixos e câmbio mais desvalorizado: eis o segredo para o sucesso macroeconômico. E, claro, quantas intervenções mais forem necessárias no ambiente econômico.
Ocorre que a História, tão reivindicada por economistas heterodoxos, já provou que tais argumentos e teorias são um retumbante fracasso. Interpretações ralas de como funciona o organismo econômico. Está lá, para qualquer um ver, guardado nas décadas de 60, 70 e 80. O experimento heterodoxo, sintetizado no tosco um pouquinho mais de inflação, para um pouquinho mais de crescimento foi - e é - um retumbante fracasso.
Não por outro motivo, a "nova matriz econômica", criada por economistas que se orgulham de desdizer da moderna teoria econômica, se mostrou um grande equívoco. Os economistas que a criaram chamam a moderna teoria econômica de um conjunto de símbolos sem nenhum propósito prático. A culpam por não ter previsto a crise. E dizem que suas teorias, ao contrário, assim o fizeram.
Mas dizer que vai ter uma crise nos últimos 60 anos não é sinônimo de sucesso de um corpo teórico, não é mesmo? É como o relógio quebrado, que marca a hora certa duas vezes ao dia. A moderna teoria econômica, como qualquer ciência, não é a descrição de verdades incontestáveis, bem como tem poder preditivo bastante limitado - o futuro, por definição, é desconhecido, não é nunca demais repetir.
O que diferencia, por suposto, a moderna teoria econômica é seu método de pesquisa. A construção de modelos tem por fim o confronto com o fato empírico. A capacidade de explicação de um modelo econômico é o objetivo final de qualquer economista neoclássico. Mesmo que esteja trabalhando nas fases iniciais da cadeia produtiva, quando sua preocupação básica é teórica, ainda assim, em algum momento, se perguntará sobre a aplicabilidade de suas teorias. Mesmo que seus pressupostos sejam simples - ou irreais, para usar a crítica - a capacidade de explicação de um modelo é, senão a única, a grande preocupação do método.
A construção de uma ciência positiva é recente, tem seu paper definitivo apenas na segunda metade do século passado. A verdade, inatingível para o ser humano, está longe de fazer parte da teoria econômica. O método, entretanto, de fazer ciência, é que tem avançado de forma contundente nos últimos 60 anos. Graças a homens e mulheres que preferiam se debruçar sobre o método científico do que contar estórias. As relações causais que hoje conhecemos, por suposto, não foram alcançadas por meia dúzia de digressões dialéticas: são fruto de muito trabalho de pesquisa e esforço empírico.
A educação como causa do desenvolvimento, por exemplo, é uma dessas relações. Como observa Samuel Pessôa, pergunte aos entusiastas do nacional-desenvolvimentismo das décadas de 50 e 60 por que o silêncio em relação à educação? Ao contrário, o método neoclássico tratou de integrá-la a seus modelos "irrealistas" (sic), tendo hoje evidências concretas de sua relação causal com o desenvolvimento. A heterodoxia tropical a ignorou por completo: hoje colhemos os resultados desse esquecimento.
Deixaremos, nesse aspecto, uma vez mais que o método heterodoxo faça mais vítimas? O fracasso da nova matriz não é novidade, ao menos não para economistas sérios. Talvez seja para os que não se deram ao trabalho de ler algo relevante nos últimos trinta anos. Ou aos que chamam os economistas neoclássicos de "sacerdotes". O conhecimento econômico, afinal, quando não respeitado, produz mazelas e desgraças para um conjunto bastante denso de pessoas.