No último dia 1º de julho o Real completou 20 anos de existência. Fruto de engenhosidade técnica e empenho político, a reconstrução da moeda era um primeiro passo para tornar a economia brasileira normal. A partir da estabilidade seria possível enfrentar o desafio do crescimento econômico sustentável. Duas décadas depois, conseguimos avançar? Ou, pelo contrário, continuamos presos ao “Dia D”?
Reconstruir a instituição da moeda passa por recuperar suas três funções: meio de troca, reserva de valor e unidade de conta. Para isso, primeiro era preciso “zerar” a memória inflacionária dos agentes. Segundo, era necessário conduzir a política econômica por meio de regras e aprovar reformas estruturais que tornassem a economia mais competitiva, como amplamente documentado pela evidência empírica. Aquele foi alcançado com a URV; estes, entretanto, foram alcançados apenas parcialmente.
Entre julho de 1994 e maio de 2014 a inflação brasileira acumulada foi de 360%, medida pelo nosso principal índice, o IPCA. Muito ou pouco? Se comparada aos 916% de inflação em 1994, ela é pouca. Mas se comparada à inflação acumulada de 60% nos Estados Unidos, no período total, a nossa é seis vezes maior. Ou seja, leitor, nossa inflação ainda é bastante elevada, para os atuais padrões vigentes no mundo. Muito em função do eterno debate sobre como melhor conduzir a política econômica ou se as reformas são mesmo necessárias.
Você pode comprovar isso lendo os cadernos de economia dos jornais. Estará lá, faça chuva ou sol, alguém apresentando teoria alternativa sobre a inflação. O debate sobre as causas e as diversas formas de manter a inflação sob controle continua a empolgar um bom contingente de analistas. Passadas duas décadas da criação do Real. Por quê?
Ainda que haja reconhecimento sobre o engenho que representou o plano, diversos são os analistas contrários à política econômica que se seguiu. Em particular, o tripé macroeconômico (superávit primário, regime de metas e câmbio flutuante) foi exaustivamente criticado, não apenas por economistas, mas também por industriais e sindicatos de trabalhadores. Alegava-se, dentre outras coisas, que os juros eram altos apenas por convenção e essa era a causa maior para o baixo crescimento da economia brasileira.
Esse diagnóstico levou o atual governo a constituir a “nova matriz econômica”. Dentre outras coisas, esse conjunto de intenções fez cair a taxa básica de juros para sua mínima histórica e manteve o câmbio administrado em uma banda ao longo de boa parte de 2012 e retomado desde agosto do ano passado com os leilões de swap. O resultado concreto já era antevisto no livro-texto: a nova matriz gerou menos crescimento e mais inflação. Por quê?
A resposta é de uma ingenuidade desconcertante: o crescimento econômico deriva de outras coisas que não a política econômica. A despeito disso, há muitos analistas se comportando como o personagem de Bill Murray, no clássico “Feitiço do Tempo”, presos a questões que deveriam ter ficado para trás, com a hiperinflação. Justamente por isso, avançamos muito pouco na agenda que se impunha com a estabilidade: condução da política econômica por meio de regras e, principalmente, a continuação das reformas estruturais.
O crescimento econômico depende de outras coisas que não a política econômica, tais como acumulação de capital, aumento da produtividade da economia e incremento de mão de obra qualificada no processo produtivo. Derrotada a hiperinflação, essas deveriam ser as preocupações principais dos analistas. Ao invés disso, nos vinte anos do plano, há ainda os que debatem sobre as causas da inflação e sobre o melhor jeito de controlá-la. Até quando uma parte de nós estará presa ao “dia da marmota”?
(*) Publicado em 02/07/2014.