O Novo Consenso Macroeconômico, conjunto de princípios práticos razoavelmente bem aceito por banqueiros centrais e economistas acadêmicos sofreu um grande baque com a atual crise econômica. Para alguns críticos de tal Consenso, era como se a verdade viesse à tona, em meio ao caos. Afinal, o que eles dizem sobre mercados eficientes é e sempre foi estória para boi dormir e que, consequentemente, desregular é atirar no próprio pé. Em assim sendo, leitor, será que o Consenso sobrevive?
Mas o que é esse Consenso, afinal? Ele é simples, leitor. Ele diz que você tem de olhar para o estoque de capital, para a mão de obra e para a tecnologia se quer gerar crescimento econômico sustentável. Capital humano é importante e acho eu que ninguém seria contra isso (ou não). Ele diz também que no curto prazo existe um trade-off, uma dicotomia entre inflação e desemprego, possivelmente causada por rigidez de salários e demais preços. No longo prazo, porém, esse trade-off desaparece e mais moeda só afeta o nível geral de preços. Isso significa que a política econômica pode até tentar influenciar o nível de atividade no curto prazo, mas se nada for feito no lado da oferta, ao fim e ao cabo, o que ocorrerá será apenas mais inflação.
Se você parar para pensar, verá que o governo pode baixar os juros, aumentando assim a quantidade de oferta de moeda e incentivando, portanto, mais consumo. De mesma monta o governo pode aumentar gastos públicos e gerar aumento de demanda de forma direta. Seja via oral [com política monetária], seja na veia [com política fiscal], os governos podem intervir na economia, gerando crescimento econômico. Talvez você acredite em alguma coisa chamada multiplicador keynesiano e ache que a demanda privada reage ao aumento de gasto público, impulsionando uma espécie de ciclo virtuoso de crescimento econômico. Talvez tudo isso que eu acabei de dizer faça sentido. Mas e a oferta? Como fica?
A grande questão, leitor, é que você pode entender que o Investimento é o principal responsável pelo crescimento econômico. Ele é volátil, delicado, sujeito às expectativas de empresários sempre com um pé atrás. E daí para concluir que mais intervenção via política econômica é o remédio para tornar o investidor animado é um pulo. O problema é que esse remédio pode acabar virando uma droga, um vício, se for mal dosado. Afinal, tudo bem se você tomar um calmante vez ou outra para ir dormir. O problema é quando você toma sempre...
E isso é o que, surpresa, diz o Consenso que vigorou no pré-crise. Não adianta tenta utilizar a política econômica como se ela fosse a causadora do crescimento econômico. Ela pode ajudar, pode ser utilizada no curto prazo de forma anticíclica, quando o produto efetivo está muito distante do potencial. Ela pode sim ajudar a melhorar o ambiente econômico. Mas, em última instância, o que causa o crescimento é o aumento de produtividade. Sem isso, a economia experimentará sempre aumento de custos e, surpresa, de inflação.
Você pode achar que o Consenso é um pouco duro em relação ao que é chamado de viés inflacionário dos condutores de política econômica. Os modelos seminais dos anos 70, 80 e 90 não evoluíram muito em relação a isso. Eles acham que os condutores de política econômica são pessoas com tendências inflacionistas. Isto é, os banqueiros centrais estariam sempre dispostos a explorar aquele trade-off de curto prazo existente entre inflação e desemprego. E daí que é preciso tornar o Banco Central independente, amarrar aos mãos, forjar contratos, metas etc. Existem muitas críticas a esses modelos, mas vou falar uma coisa: eles estão certos! E a crise, leitor, é uma grande prova disso.
Se você olhar para a Europa e para o EUA verá que os países que mais estão encrencados foram os que mais abusaram da política monetária e fiscal. Juros baixos, déficits elevados e pronto: crescimento artificial. Tá, você poderia me dizer que a produtividade aumentou nos EUA na década de 90, mas eu estou falando dos anos 2000. O viés inflacionário se manifestou em vários países. Os policymakers usaram e abusaram de instrumentos fiscais, monetários e cambiais para tentar gerar algum tipo de crescimento econômico. Ou seja: os modelos estavam corretos!
Mas e a previsão, você pode perguntar: por que os modelos não previram a crise? Essa discussão para mim é, sinceramente, perda de tempo. Você pode falar que vai ter uma crise durante dez anos. Quando ela acontece, você se alegra e diz: não falei! Isso não é análise: é birra. O que talvez não estava claro no Novo Consenso era a regulação como meta da política monetária. Mas, novamente, não acho que deveria estar. Se você entende o que significa política monetária e entende que a meta principal da política monetária é a estabilidade de preços, não está claro que ela deve regular o sistema financeiro? Afinal, demanda por moeda é expressa no tempo. Um ativo hoje pode virar moeda amanhã e isso está dentro do escopo de metas de inflação. Se você olhar para o Banco Central do Brasil verá que políticas macroprudenciais fazem parte do "arsenal" há muito tempo [não foram inventadas por esta gestão!]. Então, é simplesmente bobagem querer dizer que regulação não estava no Consenso.
Na minha opinião todos os pilares do Novo Consenso continuam válidos, mesmo a despeito da crise. E a crise só aconteceu porque esses pilares foram desrespeitados. O estado da macroeconomia é sólido, alinhavado por mais de 80 anos de brilhantes contribuições. Toda a espécie de crítica que se possa fazer aos modelos do Novo Consenso é bem-vinda, mas acho honestamente que seria mais prudente entender que as rupturas nas economias foram causadas por policymakers que tentaram explorar aquele trade-off de curto prazo e pouco olharam para os fatores que determinam a oferta.
Mas, você pode perguntar, se o Consenso continua válido, então como conseguiremos sair dessa? Simples: seguindo o Novo Consenso. Sobre o sistema finaneiro será preciso regular, via instrumentos macroprudenciais. Como manda o Consenso. Sobre a alavancagem das famílias, será preciso regular, via medidas macroprudenciais. O caminho será tortuoso, mas é preciso que seja trilhado. A América Latina percorreu esse caminho nos anos 80 e 90. Alguns países aprenderam, outros não. O Brasil aprendeu - e parece ter de aprender novamente, não é ministro Mantega? A Europa terá de trilhar esse caminho e os EUA também.
O Consenso, para que fique claro, é para economias maduras. Não estamos falando aqui de processos de catching-up. O que a China faz, a gente já fez. Já usou taxas de câmbio múltiplas, já protegeu a indústria, já aplicou licença para importação, já fez o diabo. Mas o que a gente não fez? Olhar para os determinantes da oferta, olhar para o capital humano. Ou seja, você pode fazer processos de catching-up à vontade. Mas sempre será verdade que ao fim e ao cabo, as ideias convirgirão para os princípios estabelecidos no Novo Consenso. É por isso que o consenso sobreviverá à crise, mesmo a despeito do que o Krugman possa falar... 🙂