O dobro ou nada?

A entrevista do ex-secretário do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, parece ter enterrado de vez as esperanças de quem ainda acreditava no “ajuste” na condução da política econômica a partir de 2015. O fato se justifica porque Barbosa é tido como um dos prováveis substitutos do atual ministro, Guido Mantega, em eventual vitória do PT nas eleições desse ano. A necessidade dessa correção de rumo na política econômica foi vista com ceticismo pelo ex-secretário, o que indica que o governo Dilma Rousself, se reeleito, dobrará a aposta nos atuais pilares econômicos. Isso é bom ou ruim, leitor?

A síntese do que ficou conhecida como “nova matriz macroeconômica”, a política econômica praticada pelo atual governo, é a mudança de preços relativos. O Banco Central reduziu juros e desvalorizou o câmbio. Além disso, a política fiscal foi expansionista, com repasses do Tesouro aos bancos públicos, aumento de transferências, renúncias fiscais e elevação do gasto. Os fins nobres, na alusão a Maquiavel, justificaram ignorar os fundamentos da economia brasileira, que exige juros mais elevados do que seus pares e câmbio mais apreciado. Isto porque, dada a existência de restrições institucionais (previdência pública, universidades estatais...), a poupança doméstica é cronicamente baixa, o que exige, em termos macroeconômicos, tanto juros quanto câmbio em patamares mais elevados.

O resultado último desse processo foi o descolamento entre crescimento da oferta e da demanda agregada. Esse maior do que aquele produziu mais inflação e aumento de produtos importados na economia brasileira. Novamente, em termos macroeconômicos, inflação e déficit em conta corrente (mais importações do que exportações) são sinais claros de que as coisas não são sustentáveis durante vários períodos.

O diagnóstico de que a economia brasileira precisava de incentivos à demanda para que o investimento reagisse, fazendo a oferta de bens e serviços aumentar, estava equivocado. Tanto a capacidade de endividamento das famílias quanto a renda proveniente de salários era bastante razoável no início de 2011. A redução do crescimento, desde então, se deu basicamente por restrições no lado da oferta, notadamente pelo elevado custo por trabalhador. Para retirar esses obstáculos é preciso implementar reformas estruturais (tributária, jurídica, política, do ambiente de negócios...), construir um marco regulatório definitivo para investimentos privados na infraestrutura e modificar o mix de política econômica.

Ao invés de construir essa agenda e discuti-la com a sociedade o atual governo resolveu mudar os preços relativos. Era a solução mais simples à disposição, não temos dúvidas. Seus efeitos, entretanto, se mostraram deletérios, como era esperado, suscitando a necessidade de ajuste, reivindicado pela maior parte dos economistas (ortodoxos e mesmo heterodoxos).

Não fazê-lo a partir de 2015 é, portanto, temerário. Isto porque, acaso o governo Dilma, se reeleito, dobre a aposta no modelo atual estará apenas agravando e adiando o ajuste. Ele virá, não por pressão doméstica, mas externa, dado que o resto do mundo não será complacente com o elevado déficit em conta corrente. Um eventual rebaixamento do rating brasileiro, nesse aspecto, será a primeira sinalização desse processo. Como se vê, será preciso muito mais do que um contingenciamento de R$ 44 bilhões para mudar o rumo.

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