Uma chance para o Brasil

Entre 1930 e 1980, o Brasil promoveu o que ficou conhecido como modelo de substituição de importações. A ideia era transformar uma economia agroexportadora em um gigante industrial. Para tanto, fizemos o diabo. Milhares de formas de proteger a indústria no campo micro a complexas e inovadoras formas de conduzir a macroeconomia. Não por outro motivo, herdamos desse período uma economia fechada, com bens e serviços de péssima qualidade, hiperinflação e extrema desigualdade de renda. Nosso modelo de industrialização não deu certo, a despeito das saudades de alguns por aquele período.

Não deu certo por diversas razões. Duas, entretanto, parecem se destacar. A ideia de substituir importações exige que a indústria local seja protegida da concorrência externa. Isso desincentiva a inovação, gerando oligopólios que mais se interessam por manter privilégios do que agradar o consumidor. Escritórios em Brasília são preferidos a centros de pesquisa.

A outra razão porque nossa industrialização não deu certo é que a educação básica nunca foi uma prioridade do modelo de substituição. Em determinado ponto das décadas de 50 e 60, o Brasil investia mais de 100 vezes, em termos per capita, em educação superior vis a vis educação básica. O trabalhador médio era, desse modo, muito pouco escolarizado e produtivo.

Isso não parecia ser um problema para o modelo de substituição, dadas as fortes taxas de crescimento do PIB. Mas, sem dúvida, era um problema para o país, que se acostumou com taxas de inflação e concentração de renda bastante elevadas.

Os dois choques do petróleo, de 1973 e 1979, fizeram os juros internacionais aumentarem, gerando uma crise de endividamento para países como o Brasil, que tomavam vultuosos empréstimos em moeda forte. Era o fim do modelo de substituição de importações. A década de 80 foi, assim, um tempo de ressaca e recolhimento dos destroços do modelo anterior. Para onde ir, perguntavam-se os formuladores de política econômica. Não sem antes enfrentar os problemas de balanço de pagamentos e a hiperinflação. Macro e microeconomia arruinadas. Era tempo de repensar o país.

Ao fim do governo Sarney, tarifas de importação começaram a ser reduzidas, sinalizando o que viria. O presidente Fernando Collor de Mello, eleito com uma plataforma reformista, daria início ao Programa Nacional de Desestatização e impulsionaria a abertura da economia. A década de 90 seria, assim, um momento de reformar o país, acabar com a hiperinflação e trilhar novos caminhos.

Não sem, claro, atritos. O período ficaria conhecido por crises monetárias em lugares distintos do globo. Investidores externos reticentes promoveriam corridas cambiais, mantendo países como o Brasil em alerta contínuo. O plano Real resistiu, mas não sem conviver com uma política monetária bastante restritiva, o antibiótico necessário para manter a inflação sob controle. Como todo antibiótico, resolve um problema não sem antes criar muitos outros. O desemprego elevado era um deles.

As reformas liberais da década de 90, com a privatização, criação de agências reguladoras, saneamento do sistema bancário e monetário, enfim, toda uma agenda microeconômica levariam, ao fim e ao cabo, a uma ruptura com o modelo de substituição de importações. A cereja no bolo foi o que ficou conhecido como tripé macroeconômico: conjunção de superávits primários no campo fiscal, taxa de câmbio flutuante e metas de inflação. A macro e a microeconomia voltavam para os eixos.

A década de 2000 protagonizaria um movimento de redução das taxas de juros combinado com a ascensão definitiva da China e da Índia no cenário internacional. Baixas taxas de juros e a demanda asiática fomentariam, pelo campo real e financeiro, a valorização de commodities. A melhora dos termos de troca produziriam cinco superávits em conta corrente para o Brasil entre 2003 e 2007. Na série do Banco Central, com início em 1947, são apenas 12 superávits. Ou seja, cinco dos doze superávits em conta corrente que o país já teve foram obtidos nos anos 2000. Combine essa conjuntura internacional extremamente favorável com a micro e a macro organizadas e você terá um país crescendo a 6% em 2008. Com selo de investment grande recém concedido pelas agências de classificação de risco.

Nas entranhas do governo, entretanto, um movimento de mudança já estava em curso desde meados de 2006. Com a saída de Antônio Palocci do ministério da fazenda e ascensão de Guido Mantega, o governo começaria a implementar uma volta ao passado. A agenda reformista e liberal da década de 90 e início dos anos 2000 daria lugar ao desenvolvimentismo, representado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e pelo incentivo aos campões nacionais. A quebra do Lehman Brothers em setembro de 2008, portanto, era apenas a desculpa perfeita para que tudo ocorresse de forma mais rápida.

Enquanto a microeconomia ia sendo novamente desorganizada, com o enfraquecimento das agências reguladoras e forte intervenção do Estado em setores ditos como estratégicos (como os de energia elétrica, telefonia e petróleo), o tripé macroeconômica era abandonado. A política anticíclica de 2009 geraria um crescimento de 7,6% em 2010, o que para os autores era sinal inequívoco do sucesso da empreitada. Não só para eles, mas também para a oposição e para a maior parte dos analistas.

Não por outro motivo, em 2010, os dois principais candidatos à presidência, Dilma Rousseff e José Serra, eram ligados ao desenvolvimentismo. A agenda liberal e reformista da década de 1990 não teria chances naquela eleição. O que se seguiu com o país desde então, é História conhecida. A agenda desenvolvimentista foi aprofundada e a macro e a micro, novamente, arruínadas. Voltamos, portanto, à década de 80.

Todo o trabalho feito desde o final do governo Sarney precisa ser refeito. No campo micro, voltar a promover a abertura da economia, fortalecer as agências reguladoras, promover um novo Programa de Desestatização, construir marco regulatório para a infraestrutura, aprovar reformas estruturais, etc. No campo macro, voltar a adotar o tripé, fortalecendo as instituições monetárias e fiscais do país. Regras claras para as finanças públicas e um Banco Central com independência para conduzir seus instrumentos.

Não há a menor novidade em nada disso, diga-se. Está tudo muito bem documentado na literatura de crescimento econômico e na literatura de política econômica. Todo economista sério sabe o que tem de ser feito. Há farta evidência empírica que dá suporte ao que precisa ser feito. O que precisa, apenas, é que nossos políticos e economistas heterodoxos, que aplaudiram e aplaudem o modelo de substituição de importações e o desenvolvimentismo recente, deixem o país avançar. Deem uma chance para o Brasil. É tudo o que pedimos.

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