Poupança, modelo "clássico" e modelo keynesiano: notas didáticas.

Ontem, em aula sobre o modelo neoclássico pré-keynesiano (geralmente chamado de modelo clássico) eu fiz uma alusão a poupança. Como se sabe, nesse modelo, a taxa de juros é determinada no mercado de fundos emprestáveis, sendo o preço que equilibra a oferta (poupança dos indivíduos) e a demanda (investimento de firmas e déficit público do governo) por fundos emprestáveis. Em assim sendo, a poupança dos indivíduos, dada as preferências intertemporais entre consumo presente e futuro, é relevante para explicar o incremento de investimento ao longo de vários períodos, o que faz aumentar o nível de estoque de capital. Essa posição teórica confronta-se com a visão keynesiana, onde não se obtém uma "função poupança", dado que a decisão relevante é a de investimento, sendo a poupança um resíduo obtido ex-post o processo produtivo. Na minha concepção pessoal, essa oposição entre um e outro modelo é facilmente resolvida quando se olha para a contabilidade social. Vejamos por quê.

Se existe ou não uma decisão individual de poupança, o fato concreto é que o não incremento da poupança agregada de uma economia faz com que se aumente o déficit em conta corrente. Em outros termos, se a economia investe mais do que poupa domesticamente, deverá fazer uso de poupança externa, visando financiar esse delta de investimento. No limite, dada a ausência desse financiamento, o investimento fica comprometido, e consequentemente, o próprio crescimento da economia. Aumentar a poupança, nesse aspecto, torna-se uma implicação simples das contas nacionais, caso se queira elevar a taxa de investimento da economia.

Eu acredito que essa forma de ensinar a importância da poupança agregada é muito mais simples do que fazer a oposição entre modelos, com concepções teóricas distintas quanto ao objeto em questão. Para o aluno, ao invés de se apegar a essa esquizofrenia que são as tais "escolas de pensamento", torna-se uma obrigação lógica fornecida pela contabilidade nacional a preocupação com a poupança. Isto porque, mesmo no modelo keynesiano, ainda que a poupança seja uma variável obtida ex-post o processo produtivo, ela é importante para gerar funding nos períodos seguintes. Esse fato, entretanto, geralmente passa desapercebido para o aluno, dado que a decisão relevante é a de investimento.

Cria-se, nesse aspecto, um vácuo para o economista em formação, como se o funding para o investimento caisse do céu no modelo keynesiano, algo bem distante da verdade, para dizer o mínimo. Acredito que a posição das contas nacionais cubra essa lacuna e forme policymakers melhores. Enfim, acredito que seja um ponto relevante. 🙂

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