Inércia inflacionária

Voltamos a discutir temas velhos, leitor, não tem jeito. Publicada hoje no Valor matéria de uma página sobre o papel da inércia na inflação. Em termos técnicos, a inércia é o componente regressivo da inflação. Para ver isso basta tomar o correlograma da primeira diferença de algum índice de inflação, como o IPCA e verificar se alguma defasagem do próprio índice é significativa para explicar a trajetória da série.  Em palavras de gente, é o quanto a inflação passada explica a inflação presente. O ideal seria que o comportamento dos preços fosse integralmente explicado pelo confronto entre oferta e demanda dos bens e serviços. Desse modo, seria mais fácil para a política monetária corrigir desvios entre a oferta e demanda agregadas. Como isso é uma utopia, o Banco Central deve considerar o componente regressivo da inflação no momento de calibrar o instrumento de política. Em outros termos, quanto maior é a inércia, mais difícil será trazer a inflação efetiva para a meta. Dito isto, a matéria do Valor traz um estudo publicado pelo Banco Central todo ano, no primeiro relatório de inflação do ano, desde de 2006, sobre a decomposição da inflação do ano anterior.

Verifica-se que a inércia foi responsável por 13,7% da inflação de 5,91% no ano passado, maior do que os 5,8% de contribuição em 2012. A "série histórica" dos estudos do banco não indica que a inércia esteja mostrando tendência de alta ao longo dos anos, então é um pouco prematuro dizer que a economia brasileira está se tornando mais "indexada", i.e., os agentes estão tentando se proteger da inflação via mecanismos de correção da inflação passada. Um ponto importante, citado na matéria, é a regra atual do salário mínimo, instituída - salvo engano - em 2006. A indexação do salário mínimo à inflação de um ano mais o crescimento do PIB de dois anos anteriores poderia explicar algum aumento da inércia. Mas as evidências de que o salário mínimo esteja gerando um salário médio maior, o que explicaria que o mínimo serve de "piso" para o salário médio, como colocado na matéria, não se sustentam: a relação mínimo/médio aumentou desde então.

Uma outra forma de ver o mesmo problema é verificar o impacto direto do salário mínimo na inflação, algo que o próprio Banco Central já fez em um dos seus boxes do RTI (Relatório Trimestral de Inflação). Aumentos de 10% no salário mínimo geram impacto em torno de 0,2 p.p. no índice cheio, após quatro trimestres. Eu diria que é pouco, em magnitude. O mais importante nesse estudo, e isso é preocupante, é o fato de que o salário mínimo tem impacto maior sobre a inflação de serviços, que é intensiva em mão de obra e responde por mais de 30% do índice cheio. A inflação de serviços, por suposto, tem uma inércia mais elevada do que o índice cheio. Desse modo, um aumento do salário mínimo tem maior persistência sobre esse grupo de preços. Pelos estudos do Banco Central pode-se dizer que o mesmo tem efeitos permanentes sobre a inflação de serviços. É justamente por isso que a regra do salário mínimo precisa levar em conta a produtividade da economia, contribuindo para que oferta e demanda agregadas caminhem juntas.

O assunto é velho, leitor, porque existe uma longa literatura sobre o papel da inércia na inflação brasileira. Na década de 80 chegou-se até a classificar a inflação como "puramente inercial". Ou seja, a inflação hoje é alta porque a de ontem foi alta e assim por diante. Ou seja, conversa para boi dormir. A inércia pode explicar a dificuldade de trazer a inflação para a meta, mas ela não nos condena a conviver com uma inflação de 6% ao mês, como não nos condenou a ter 90% ao mês para todo o sempre. Quanto maior for a indexação da economia, maior será o poder de explicação da inércia para o nível de inflação, mas isso não significa que é impossível trazê-la para 3%, por exemplo. Só significa que é mais difícil, porque não depende apenas da política monetária, depende de reformas do sistema de preços, que, aliás, foram iniciadas no plano real, lembra?

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