A maior parte dos países mantém relações econômicas com o resto do mundo. Bens e serviços são comprados e vendidos e transações comerciais e financeiras são estabelecidas entre residentes e não-residentes. A contabilidade dessas transações é feita naquilo que os economistas chamam de balanço de pagamentos. Este é dividido em duas contas básicas: uma que registra operações eminentemente comerciais (e que envolvem fatores de produção) e outra que capta transações financeiras. Na primeira está o lado mais "real" da economia, naquilo que envolve produção de bens e serviços. No segundo estão os registros de transações realizadas na bolsa (à vista e futuro), mercados de dívidas, títulos públicos, investimentos diretos etc.
Nesse contexto, é possível associar desenvolvimento econômico com o sinal dessas contas do balanço de pagamento. Salvo um ou outro ano, a tendência histórica é a de que países subdesenvolvidos - como o nosso - mantenham déficit na conta de operações comerciais (denominada como Transações Correntes) e superávit na conta de transações financeiras (denominada Conta Capital e Financeira). Isto porque, tais países importam bens e serviços com maior valor agregado de países desenvolvidos, exportam geralmente bens agrícolas (as commodities) e recebem capitais de outros países, dadas as oportunidades de investimento existentes.
O crescimento econômico brasileiro está intimamente associado, portanto, a um problema: o aumento do déficit em transações correntes. Em termos simples é possível dizer que isso significa que os residentes estão mandando mais dólar para o exterior do que os não-residentes estão mandando para o nosso país. Isto é causado basicamente por três fatores. O primeiro é o aumento das importações. Toda vez que a renda doméstica cresce, o país demanda mais bens e serviços importados. O segundo fator é que uma parte das exportações potenciais é deslocado para o mercado interno, fazendo com que o saldo comercial seja menor. O terceiro e último fator é um aumento da remessa de lucros, juros e dividendos para o exterior.
O déficit em transações correntes como percentual do PIB foi de 2,31% em 12 meses, findados em fevereiro último. Na mesma comparação, ele era de 0,15% em janeiro de 2008. A deterioração dessa conta é, portanto, um sintoma necessário do crescimento econômico do nosso país. Em termos de contas nacionais, associa-se isso à falta de poupança doméstica (das famílias e do governo) necessária ao aumento da taxa de investimentos (que, em última instância, é o causador do crescimento econômico). Daí que é necessário recorrer à poupança externa (déficit em transações correntes).
O problema reside no financiamento desse déficit. Isto porque, o balanço de pagamentos é contabilizado pelo método de partidas dobradas, tendo que zerar no final. Isso implica, portanto, que todo lançamento no balanço é feito duas vezes: para todo débito há um crédito e vice-versa. Nesse contexto, quando há déficit nas transações correntes é preciso que haja superávit na conta capital (sejam capitais voluntários ou compensatórios).
A idéia é que ou o déficit em transações correntes é financiado voluntariamente pelo mercado internacional, ou o país passa o chapéu e pede uns trocados emprestados para se financiar. Nos últimos anos temos sido a "menina dos olhos" do mercado financeiro externo: o dinheiro tem vindo voluntariamente para nosso país. E não apenas em sua forma mais volátil (o tal hot money ou "capital de hotel", aquele que vem só para passar uma noite e ir embora). Não. Mesmo em sua forma mais "produtiva", o famoso IED (Investimento Estrangeiro Direto), o país tem atraído igualmente muita grana. Daí que não temos tido, como na década de 90, a necessidade passar o chapéu (leia-se: recorrer ao FMI).
A questão, porém, é que isso traz igualmente problemas no médio e longo prazos. Isto porque, com a entrada maciça de capital externo, mesmo em suas formas mais duradoras (o IED), uma hora ou outra ele irá voltar para a origem. Seja de forma total (recolher todos os investimentos feitos e ir embora), seja na forma clássica de remessa de lucros, dividendos e juros. Nessa última há, como visto lá em cima, o aumento do déficit em transações correntes. Ou seja, utilizar poupança externa implica em aumentar o déficit em transações correntes no médio e longo prazos, dado o aumento das remessas de dinheiro.
Além disso, a combinação de déficits elevados em conta-corrente financiados por fluxos de capitais externos está associada à taxa real de câmbio apreciada. Isso, por sua vez, causa perda de competitividade aos setores exportadores do país, agravando ainda mais o saldo da balança comercial. Nota-se, assim, que existe um claro desafio a ser equacionado nos próximos anos. Crescer por si só não é mais a questão principal para o Brasil. O que deveremos buscar daqui para frente é qual a "qualidade do crescimento" que queremos ter.