Guido vs. Armínio na Globonews: notas de realismo fantástico.

Para Guido Mantega, nosso ilustre ex-atual-ministro da fazenda, tudo vai bem e o que não vai bem com a economia brasileira é culpa da crise internacional. Além do mais, sempre é possível lembrar os tempos de FHC quando alguém ousa dizer que nada vai bem. São as frases que me vem à mente toda vez que ouço Guido falar, raciocinar, tecer alguma sobra de comentário econômico. Foi assim nos últimos quase nove anos. O ministro mais longevo da era republicana, afinal, parece habitar outro mundo que não aquele onde a teoria econômica faz sentido. No mundo de Guido Mantega, ao contrário dessa teoria, as coisas fazem outro caminho. 

Guido Mantega foi ao programa da Miriam Leitão conversar com a jornalista e com o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, sobre o tema em que é douto. A primeira pergunta é sobre a inflação: 6,75%. Tem problema, Guido, questiona a jornalista. Passageiro, desse mês, vai voltar para a meta até o final do ano. Aliás, diz Guido, nos últimos 11 anos cumprimos a meta. Espanto, fico: que meta? Não era 4,5%? Será que mudou, penso. Não, não mudou: é que para Guido qualquer coisa abaixo de 6,5% é meta. Mais o que causou esses 6,75%? Guido diz que é culpa da seca e da energia elétrica. Seca? Energia elétrica? Estranho: ao considerar os núcleos de inflação, aquelas medidas chatinhas que só economista gosta, mas que tem o relevante papel de nos informar a tendência da inflação ao longo do tempo, a inflação está em 6,76%. Explica, Guido! Sim, faltou esse questionamento, seja da jornalista, seja do Armínio: poxa, Armínio!

Tudo bem, passa, mas Guido, e o crescimento? Ah, bom, o crescimento é culpa da crise! Crise, que crise, questiona Armínio. E eu cá com meus botões também questiono: que crise, Guido, fala para a gente. Afinal, o mundo irá crescer próximo a 3%, os emergentes próximos a 4% e o Brasil a 0%. Ops: é crise do tipo tropical, só afeta país que realizou copa do mundo?! Ih, esqueceram de perguntar ao ministro: em ano de copa do mundo, cheio de investimento que vocês tinham prometido, tá tendo crise, ministro? Estranho...

E como faz para voltar a crescer? Já estamos com o terreno plantado, é só a crise acabar que dará tudo certo. Plantado? Sim, plantado. Os empréstimos do BNDES, via plano de sustentação do investimento, o pac, as concessões, um sucesso, diz Mantega. Guido, não é bem assim, diz Armínio. Com todos esses programas que você listou, o investimento caiu: caiu, Guido! Mas caiu por causa da crise, da incerteza, o investimento público, esse, subiu: é maior do que era em 2002... E por falar em 2002...

Nos tempos de FHC, o país tava quebrado, os bancos públicos completamente arrasados, os juros eram maiores, a inflação era pior. Foram ao FMI três vezes. Acuado, Guido citava os números dos 12 anos do PT - nunca os 4 anos da Dilma. E aí, Armínio, questiona Miriam: o que você tem a dizer sobre isso?

Sinto que há uma espécie de fetiche com o governo Fernando Henrique. E fala do milagre da estabilização, que entregou os bancos públicos limpinhos. Limpinhos. Estavam quebrados, questiona Miriam novamente. Não, isso é falso, diz Armínio. Completamente falso.

Assisto ao embate com a frustração de quem ia a São Januário na década de 90 - hoje, não, claro que não - esperando por uma goleada sobre um time pequeno. E o danado do time pequeno ficava todo na retranca baixando o cacete em quem ousasse passar pelo meio de campo. Guido citou inúmeros dados sobre a realidade do país, sempre com o confronto contra os anos 90. E Armínio, pouco afeito ao debate político, à espera do embate econômico, só queria discutir o Brasil a partir de 2015. Guido baixou a porrada, Armínio se revoltou e preferiu não jogar. Resultado: a discussão relevante ficou no 0x0.

Pouco se sabe, por exemplo, o que será feito se Dilma se reeleger. Mais do mesmo? O que farão com os preços reprimidos da gasolina e da energia elétrica? Como serão reajustados? De uma só vez ou ao longo de vários anos?

Como serão incorporados os subsídios do BNDES ao orçamento público? Como serão pagos? O ajuste fiscal, necessário para retomar a credibilidade, será feito via aumento de impostos ou redução de gastos? E quais gastos serão cortados?

A inflação, alta há quatro anos, como será controlada? O Banco Central terá liberdade para aumentar juros no ano que vem? Como reagirá frente a iminente subida dos juros norte-americanos? Continuará com o programa de swaps cambiais? Ainda há espaço para isso?

E o crescimento? Com baixo desemprego, será mesmo liderado pela infraestrutura? Como ficará o marco regulatório? É possível aperfeiçoá-lo no curto prazo? Mais estado, via pac, ou mais mercado, via concessões?

A reforma tributária sairá de que forma?

Guido Mantega, repetindo os últimos quase nove anos, não reconhece os equívocos cometidos pelo atual governo. Põe a culpa do baixo crescimento na crise internacional. E compara o pacote de 12 anos com os anos FHC. Diz que a oposição vai controlar a inflação fazendo arrocho salarial. Vai fazer ajuste. Armínio procura se defender, timidamente. Diz que é preciso voltar ao tripé, aprovar reformas, deixar o mercado participar das concessões, liberar os bancos públicos para fazerem investimento em coisas que os bancos privados não fazem. Mas, claro, tudo soa muito vago para um programa cujo oponente não foi lá discutir economia: apenas fazer política. No fantástico mundo de Guido Mantega, afinal, há uma eleição por vencer: depois a gente discute como sair dessa...

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