Na semana passada, o Diretório Acadêmico da Faculdade de Economia da UFF promoveu um debate entre escolas do pensamento econômico. O mais legal é que eles conseguiram produzir um vídeo e o disponibilizaram de forma muito rápida. Coloco aí embaixo para quem se interessar. Lá pelas tantas no debate, em 1h48min mais ou menos do vídeo, ocorre uma pergunta interessante sobre a lei de responsabilidade fiscal. A pergunta acaba suscitando um debate entre os participantes sobre o tema fiscal. Achei legal e vou tecer alguns comentários sobre isso aqui.
Em primeiro lugar, qualquer discussão sobre a crise fiscal que estamos vivendo deve começar por esse gráfico aí embaixo...
Lá no início de 2014, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) começou uma trajetória ascendente e bastante preocupante. O Tesouro, a partir desse momento, passou a ter dificuldades para rolar seus títulos, isto é, encontrar compradores. Não por outro motivo, o Tesouro passou a repassar parte dos títulos "encalhados" para o Banco Central, o que fez aumentar as ditas operações compromissadas - e, portanto, o custo de captação do Tesouro.
A questão aqui é muito simples: os agentes passaram a exigir um prêmio de risco maior para manter títulos públicos brasileiros em suas carteiras. Por que, pergunta o leitor. O motivo básico é esse outro gráfico aí...
O superávit primário saiu do intervalo entre 3 e 4% do PIB antes da crise de 2008 para -2,28% em março desse ano (o último dado disponível). Uma piora do resultado primário causa, claro, aumento de dívida pública, porque afinal o Estado terá que emitir mais títulos para se financiar - caso não queira recorrer à emissão monetária e/ou aumento de carga tributária. Ocorre que os agentes não são trouxas: eles olham para isso e começam a pedir mais juros para financiar o Tesouro, o que leva a aprofundar o endividamento.
Esse ponto é importante. Em geral, as pessoas acham que a dívida cresce porque os juros estão aumentando. Mas é preciso entender porque os juros aumentaram: porque as pessoas não são trouxas! Elas olham a transformação de um superávit primário em déficit primário e pedem mais prêmio de risco (juros) por causa disso, oras!
De maneira geral, podemos elaborar um modelo para a dívida em que ela seja função do crescimento do PIB, do juro real, do superávit primário, da taxa de câmbio e da inflação. Coletados os dados e estimado o modelo via OLS, ele ficaria assim...
OLS | |
DBGG | |
Crescimento do PIB | -0.598*** |
(0.132) | |
Juro Real | 0.949*** |
(0.113) | |
Sup Primário | -1.066*** |
(0.330) | |
Taxa de Câmbio | 0.478 |
(0.829) | |
Inflação | -0.534*** |
(0.178) | |
Constant | 56.957*** |
(1.856) | |
Observations | 112 |
R2 | 0.756 |
Adjusted R2 | 0.745 |
Residual Std. Error | 1.922 (df = 106) |
F Statistic | 65.823*** (df = 5; 106) |
Note: | *p<0.1; **p<0.05; ***p<0.01 |
Enquanto o juro real contribui para aumentar a DBGG, o crescimento do PIB e o superávit primário a reduzem. Já vimos que o primário caiu e o juro aumentou no período recente, pressionando a dívida pública. Ademais, sabemos que o Brasil está em recessão, tendo crescimento negativo no período recente. Em outras palavras, todos os determinantes estão nesse momento pressionando o endividamento público, o que explica aquela trajetória ascendente e preocupante.
Nesse sentido, o ajuste fiscal é algo peremptório nesse momento. Não se trata de ser contra direitos sociais: é uma questão que não há como fugir. A irresponsabilidade fiscal nos trouxe até aqui, logo é preciso encarar as suas consequências. A única forma de sair dessa situação crítica é voltar a praticar um superávit primário que estabilize a relação dívida/pib. Sem isso, tempos sombrios virão... 🙁
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Nota: Lembre-se que o superávit requerido para estabilizar a dívida pública é dado por
(1)