A crise é grave e a saída distante

O IBRE/FGV promoveu o seminário A Agenda de Crescimento do Brasil nos dias 6 e 7 de agosto com um objetivo bastante claro: encontrar uma [ou algumas] saída[s] para as crises [política e econômica] que estamos vivendo. Ontem, já no final de mesas repletas de economistas e cientistas políticos de reconhecida grandeza, minha impressão era que o objetivo estava ainda distante de ser alcançado. A despeito do diagnóstico sobre as causas da atual crise econômica ser claro e da solução ser aparentemente conhecida, o ambiente político parece travar qualquer trajetória de recuperação. Vivemos a ressaca do contrato social estabelecido pela Constituição de 88, em uma economia que não consegue ser mais produtiva. A saída para esse impasse parece distante.

Pode ser um olhar pessimista desse escriba, sempre, claro, há essa possibilidade, mas os fatos não parecem facilitar outra abordagem. Do diagnóstico do economista Paes de Barros de que o aumento da escolaridade dos mais jovens não gerou um aumento da produtividade até a postura contundente do cientista político Carlos Pereira de que "precisamos passar pelo processo de impeachment o quanto antes", as mesas possibilitaram algumas reflexões interessantes. Salvo o economista Braúlio Borges, da LCA, para quem a crise internacional é responsável principal pelas dificuldades que passamos, parece haver consenso que fatores internos nos guiaram, de forma segura, até aqui. Compreendido esse ponto, portanto, o que fazer para sair do atual estágio de prostração?

A agenda de reformas microeconômicas parece se impor não de hoje, mas já há bastante tempo. Melhorar a regulação, permitir que estrangeiros possam aumentar a participação em setores como audiovisual e aviação civil, simplificar o recolhimento de impostos, construir um marco regulatório para investimentos privados em infraestrutura, etc, parecem indicar que o caminho passa por melhorar o inóspito ambiente de negócios brasileiro. Em outros termos, leitor, a saída para a atual crise econômica é conhecida: precisamos passar para um modelo onde a produtividade e o investimento sejam os líderes da retomada. Conseguiremos?

O diabo é que para que essa transição ocorra, devemos construir toda a sorte de consensos políticos. Hoje, infelizmente, isso não se mostra uma agenda possível na Câmara ou no Senado. E, um detalhe importante, na possibilidade remota que consigamos aprovar essa agenda de reformas microeconômicas, seu impacto sobre o nível de atividade não será instantâneo. Dada a deterioração macro, é possível que se perca no horizonte. É como se estivéssemos querendo abastecer um 747 em pleno voo, tentando impedir que ele caia por falta de combustível. Pouco provável que consigamos, acaso nada seja feito.

E o que pode ser feito? Carlos Pereira indica o caminho: períodos pós-impeachment são seguidos de estabilidade econômica e política, segundo a evidência empírica. Os custos de um processo de impeachment, alega o cientista político, geralmente são superestimados. Daí, segue-se que, o melhor é fazer logo, para que possamos dar de encontro com a saída do atual estado de coisas. Mas, questiono, é garantido?

Provavelmente não, dada a variável "lava-jato". O enredo da operação icônica segue para seu clímax político, com figuras proeminentes da vida pública nacional sendo constrangidos pelas investigações. Inclui-se aí os presidentes do Senado e da Câmara. Logo, leitor, feito o impeachment, nada garante que a estabilidade política virá por gravidade. O mais provável é que ainda tenhamos muitos meses de enormes desafios nessa esfera, antes que consensos sejam estabelecidos em direção das reformas necessárias para que o país possa voltar a crescer.

E a economia? Vai piorar muito, antes de melhorar. As projeções do economista Mansueto de Almeida para o primário nos próximos anos, complementada pela expectativa em relação ao crescimento e aos juros implícitos, indicam mesmo uma dívida bruta na casa dos 70% em 2016. Com efeito, o rebaixamento da nota de crédito parece cada vez mais um dado, o que retroalimenta de forma potencialmente destrutiva o ambiente econômico. Em outras palavras, a trajetória da economia é desastrosa. Pode mudar?

Feito o impeachment, presos os políticos, empreiteiros, operadores e demais envolvidos, é o momento do organismo social, político e econômico se recompor. O tecido social, esguiçado diante de tantos golpes, irá sim se reencontrar. Não se sabe, porém, quando e nem por quais mãos. Se aparecerá um novo líder, um novo partido, uma coalização de forças dos políticos que restarem após o término da "lava-jato", não é possível definir. O certo é que o país recuperará em algum momento o caminho de volta ao crescimento. A boa notícia? Fará isso de forma democrática, com instituições funcionando a plena carga. É possível, portanto, que a atual crise seja grave, a mais grave da república, mas que lavada a roupa suja, o país acorde melhor no dia seguinte. Ainda que não saibamos, nem de longe, que dia será esse.

brasil

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