Chega um momento em sua vida que tudo, absolutamente tudo, se torna diferente. Acontece assim, em um estalar de dedos. De repente – não mais que de repente – você passa a acordar bem cedo para trabalhar. Produz bastante, almoça correndo, reuniões e produz mais um pouco. Dão cinco horas, você sai do escritório e, de tanto produzir, você se concede um momento de relaxamento: toma dois ou três chopes, conversa com os amigos e afrouxa a gravata.
Mas passa rápido e lá esta você em casa, dando um beijo de boa noite na esposa, tomando um banho e se preparando para descansar mais um pouco. A verdade é que você [agora] está sempre cansado. A ponto de pensar duas ou três vezes em aceitar qualquer convite que envolva voltar para casa depois da meia-noite. O máximo a que você se permite é assistir a algum jogo de futebol na televisão, em um domingo com os amigos. Você vai para a churrasqueira, toma algumas cervejas, conversa, conversa e conversa mais um pouco.
Talvez, apenas talvez, você também se permita jogar uma “pelada” de vez em quando [nunca, para alguns]. Em uma segunda-feira à noite, depois de produzir bastante, lá está você correndo atrás de uma bola em um clube qualquer. O fôlego, claro, nem lembra aquele garoto que corria o dia inteiro e não se cansava. Você se lembra de como era fácil driblar os adversários, fazer gol em qualquer tipo de goleiro e depois do jogo ir a alguma sorveteria ou armazém [para os mais antigos] tomar guaraná Flexa e zoar com os amigos. Bons tempos, você pensa.
Atualmente, entretanto, o máximo que você faz é tomar uma ou duas [no máximo!] cervejas depois do futebol [ruim, que você apresentou]. Tão logo a cerveja desce a goela e você papeia um pouco, já é hora de se mandar: afinal amanhã é dia de labuta. E o chefe [o seu, claro] anda tão estressado com as metas do departamento que não está dando folga para ninguém. Nem para você, que sempre produziu bastante.
O tempo é mesmo um senhor sem coração. Quando menos se espera lá está você ligando para a polícia porque o bar em frente à sua casa resolveu promover uma “sexta-feira dançante”. E você, que só de lembrar-se do tempo das discotecas, já sente uma pontada nas costas. O que mais você quer é descansar, talvez dar “umazinha” e cair para o lado – assistindo, é claro, ao último noticiário esportivo.
E nem mesmo a noite é como em outros tempos. Naquela época você deitava e pronto: apagava! Em qualquer lugar: sofá, chão forrado com um monte de mantas, casa do amigo, casa do vizinho, casa de gente que você nunca viu, rede, varanda... Qualquer lugar era um bom lugar para tirar um cochilo. Agora, não; tudo é tão diferente. Nem mesmo na sua cama [Box, king size, com travesseiro de penas de ganso] você tem descanso contínuo. Tem noites que você acorda e resolve que é tempo de ir ao banheiro. Não sem antes acordar sua esposa, que te olha com um rosto nada amistoso.
As mudanças não param por ai. Antes você comia e bebia em qualquer lugar. Hoje, tem que ser aquele restaurante, aquele bar e aquela comida com aquela bebida. Antes você bebia qualquer tipo de cerveja. Hoje, você tem uma cerveja favorita. Talvez seja importada, cara, difícil de encontrar. Antes, você tomava qualquer líquido amarelo que tivesse alguma espuma branca por cima.
Hoje você aprendeu a apreciar vinho. Talvez tenha até feito um curso rápido com algum sommelier importante. Sabe diferenciar tonalidades, frutas e paladar. Sabe até as melhores combinações de pratos e vinhos. Tem até uma mini adega em casa, comprada em suaves 36 prestações. Um bom investimento, você pensa. Agora as suas garrafas chilenas, argentinas, portuguesas e até mesmo francesas estão bem conservadas, entre 15º e 18º graus Celsius. Antes você só tomava vinho suave, do tipo garrafão de cinco litros, porque era “docinho” e, dez ou dozes canecas depois, lá estava você cantando “sempre precisei de um pouco de atenção...” sem parar.
Mas o tempo passou, não é mesmo? Hoje em dia você não suporta vinho suave. Talvez até mesmo o demi-sec já não caia tão bem. Prefere o seco, encorpado, que penetre todas as papilas gustativas e gere uma sensação de incrível prazer em sua boca. Pois é, companheiro: a gente envelhece e, naturalmente, adquire um monte de frescuras.
Não pode tomar uma chuvinha entre o carro e a porta de casa que logo vem os espirros. E daí tem que se encher de remédio, que, claro, se juntam aos outros tantos que você é obrigado a tomar para recuperar o “vigor físico”. E então você se lembra do tempo em que brincava na chuva, sem camisa, e adorava sentir aquele cheiro de terra molhada. Depois era só tomar banho e dormir o sono dos justos.
Hoje, entretanto, tudo está tão diferente. As prestações [da casa, do carro, do aparelho de TV full HD, da mini-adega, do colégio das crianças...] estão te consumindo. Você lembra delas todas as vezes em que tem vontade de mandar o seu querido chefe para um lugar não tão agradável. Você se lembra delas quando se põe a adormecer ou então quando está almoçando sozinho naquele restaurante perto do trabalho. E, claro, você se lembra que hoje é domingo e que amanhã é dia de fazer aquela apresentação para toda a diretoria. E, claro: nem todos os slides estão prontos... É, amigo, parabéns: pois você envelheceu!