Amores urbanos: capítulo 1

Tive, é certo, muitos amores urbanos ao longo da vida. Urbanos porque sempre foram rápidos, intensos e sem prestação de contas no final. Amores porque eu sempre fui um cara romântico, apesar do que o leitor ou a leitora podem ouvir por ai. De fato, até chegar aquele meio-fio, com aqueles dois indivíduos muito do mal encarados, eu nunca tinha pensado seriamente sobre isso.

O engraçado, ou trágico, ou cômico, é que depois de uma dúzia de socos e pontapés foi um dos assuntos que mais passaram pela minha cabeça. Quem já tomou uma surra bem dada sabe muito bem que depois do terceiro ou quarto soco, rola uma espécie de anestesia geral no corpo. Tudo o que você sente é apenas um estalo forte e irritante na parte atingida. O impacto mesmo, esse já ficou lá pelas tantas.

O leitor, não a leitora, pode estar questionando porque eu não reagi. Não o fiz por um motivo razoavelmente simples: estava muito bêbado para tal empreitada. Completamente embriagado. Talvez em um dos maiores porres da minha vida, por conta dos acontecimentos então recentes. Não tinha, portanto, reflexo ou mesmo vontade própria para efetuar qualquer tipo de reação ao monte de porrada que estava tomando. Uma das poucas coisas que pensava era no diabo dos meus amores urbanos. Ou paixões. Ou casos de uma noite. O leitor e a leitora entenda-os pelo nome que for mais apropriado. Atente-se apenas para o fato comum: quase nunca duravam mais do que uma noite. Quando muito bons, duas ou três noites. Apenas isso.

No fundo, tentava entender porque estava apanhando daquele jeito, com tamanha fúria e motivação, ali, agachado no meio-fio da Rio Branco, em plena madrugada. Por suposto haveria de ter algo a ver com alguma mulher. Afinal, não havia muitos outros motivos minimamente razoáveis para tal evento. Sempre fui um sujeito tranqüilo e amigo de quase todo mundo.  Tive, é claro, duas ou três inimizades ao longo da vida. Mas nenhuma delas me atacaria com tanta virulência. Talvez me xingassem por e-mail, me ligassem bêbados no meio da noite ou outra algazarra do tipo. Porrada daquele nível definitivamente estava fora de cogitação. Desse modo, um único motivo saltava aos olhos: uma mulher.

Provavelmente eu havia mexido com a ficante, namorada, noiva ou quiçá esposa de um deles. O cara viu, fico puto, chamou o amigo e daí para me encher de porrada foi um pulo. Há outra teoria melhor? Não consegui formular, ali, quase em frente à Cinelândia, em uma madrugada calorenta no Rio de Janeiro. A leitora, porém, não tome isso como hábito. Não sou o tipo de homem que fica por ai arrumando confusão em boate com o primeiro brutamonte que aparece. A questão é que estava muito bêbado, muito mesmo. E, além disso, não sei se foi por causa de uma mulher que apanhei. Esse é o meu melhor palpite. A hipótese mais forte que formulei.

Cessada a sessão de descarrego, os dois marmanjos seguiram seu caminho. Um, o mais gordo, era só sorrisos. Parecia ter limpado a reputação. O outro, mais atlético, parecia preocupado, pois olhava de um lado para o outro constantemente. Talvez fosse o efeito de algum tipo de alucinógeno ou coisa que o valha. Não deu para notar direito. A última coisa que ouvi de um dos dois foi um “otário!”, pronunciado em alto e bom som. E assim fiquei, com o meu próprio sangue escorrendo entre os dedos.

Há momentos na vida em que tudo, absolutamente tudo em sua vida, parece fazer sentido. Os erros, acertos e desvios de caminho aparecem inusitadamente transparentes em sua mente. Um sinal divino de salvação? Vai lá, não sou tão religioso assim. Mas tinha poucas dúvidas de que o meu momento, enfim, parecia ter chegado, ali naquele espaço de meio-fio na Avenida Rio Branco.

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