A dívida do BNDES com o Tesouro

Finanças públicas farão parte desse espaço por um bom tempo, leitor, infelizmente. Ontem, o governo anunciou que espera reaver R$ 100 bilhões do BNDES no curto prazo. Chamei atenção, inclusive, para a possibilidade dessa operação ferir a LRF. Algumas pessoas, ademais, me perguntaram qual seria a origem desse dinheiro. Acho importante esse tema, tanto que o tenho retomado vez ou outra nesse espaço. O faço uma vez mais. Não se deve, afinal, ter dúvidas: o Tesouro tem créditos junto ao BNDES no valor de R$ 507,2 bilhões, contabilizado até março desse ano. O valor é contabilizado mensalmente pelo Banco Central e faz parte do estoque de débitos e créditos do governo geral.

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Gráfico 01

Para quem se interessar, esse arquivo aqui contém todas as operações de repasse do Tesouro para o BNDES. A ideia aqui é muito simples. O Tesouro Nacional foi ao mercado e emitiu título público, pegou esse dinheiro e repassou para o BNDES poder realizar empréstimos. Dois problemas são imediatos. O primeiro: quem são essas empresas? De novo, o leitor pode conferir lá no site do BNDES uma listagem das operações do Banco. O segundo problema é o Tesouro se endivida a uma taxa maior do que o BNDES empresta, o que configura uma operação de subsídio.

Um exemplo simples para ilustrar. Digamos que o Tesouro emitiu um título público e prometeu pagar 15% a.a. de juros ao seu credor. Pegou esse dinheiro e repassou ao BNDES, que emprestou a uma empresa qualquer, cobrando uma taxa de 5% a.a. Nesse caso, portanto, há um subsídio de 10 p.p., a diferença entre as taxas de juros. Se esse exemplo representasse a situação real, poderíamos pegar esses 10% e multiplicar pelo estoque de repasses do Tesouro. Teríamos algo como um subsídio anual da ordem de R$ 50 bilhões.

Na prática, contudo, não podemos fazer essa conta. É preciso levar em consideração cada operação de captação do Tesouro e cada operação de empréstimo do BNDES. Pegar a taxa de juros de captação e a taxa de juros de empréstimo e construir uma espécie de média ponderada dessas taxas para ter uma noção melhor do subsídio. Isso, claro, envolve enorme trabalho por um motivo simples: os dados nem de longe estão 100% disponíveis. O exemplo simples, entretanto, não está longe do real, se tomarmos como referência a taxa SELIC para as captações do Tesouro e a TJLP para os empréstimos do BNDES.

Você pode, nesse contexto, se perguntar: mas e daí? E daí que esse subsídio de alguns bilhões entra no fluxo de despesas do governo. Ou seja, não é nada, não é nada, é mais do que o Bolsa Família, não é mesmo? Não à toa, apelidaram esse volume de recursos de Bolsa Empresário. Logo, faz todo o sentido do mundo o governo querer reaver esse dinheiro, tendo como consequência imediata a redução do subsídio. Mas, claro, não é apenas isso: a coisa piora bastante.

Gráfico 02
Gráfico 02

O gráfico 2 traz a conta de subsídios, subvenções e Proagro paga pelo governo central ao longo do tempo. Como o nome já diz, aí está o agregado de todos os subsídios concedidos pelo governo em um monte de programas. Note, porém, aquele voo no final do gráfico. Ele contém uma estória de falta de transparência e irresponsabilidade fiscal, para dizer o mínimo.

Em outubro de 2012, o então ministro interino da Fazenda, Sr. Nelson Barbosa, emitiu uma portaria que, entre outras coisas, adiou o pagamento de equalizações de juros por um período de 24 meses, dando tempo ao Tesouro para começar a pagar a conta de subsídios. A ideia que estava na cabeça dessas pessoas era de que, bom vamos emprestar esse dinheiro para as empresas, elas vão investir, a economia vai crescer e a arrecadação aumentar. Daí, a gente paga, com tranquilidade, a conta de subsídios. A partir de 2015, como mostra o gráfico 2, essa conta começou a ser paga, gerando aquele avanço ali. Mas a economia e as finanças públicas não estavam nada tranquilas, muito menos favoráveis, não é mesmo?

Moral da Estória? Sim, tem uma moral, que acho importante que seja aprendida. A maior de todas é que não existe almoço grátis. O dinheiro que financiou os empréstimos do BNDES tinha uma origem: o aumento da dívida do Estado. Se o Estado se endivida muito, uma hora o contribuinte, eu e você, será chamado para arcar com a conta, via aumento de impostos ou, pior, emissão de moeda que vai gerar inflação. Como mostrei no post anterior, essa é basicamente a situação atual, não é mesmo?

Outra coisa: subsídio tem que ser transparente! Afinal, como vimos, subsídio implica em aumento da despesa primária do governo. É mais dinheiro para alguns escolhidos em detrimento de todos os outros. Logo, o mínimo que o governo tem que fazer é mostrar isso de forma clara para a sociedade, algo que faltou bastante nos últimos tempos.

Por fim, leitor, como vimos, toda essa montanha de dinheiro repassada ao BNDES causou problemas tanto de estoque (aumento da dívida) quanto de fluxo (aumento da conta de subsídio), contribuindo para a situação atual. Logo, é muito bem vinda a perspectiva de reaver esses recursos. Contudo, é preciso combinar com os russos: isto é, que tudo esteja dentro da lei. Respeitado isso, só temos a comemorar a ideia. Ah, sim: lembrando sempre que uma vez que eles voltem para o Tesouro, não podem ser usados para abater aquele rombo de R$ 170,5 bilhões não, mas sim para abater dívida pública, ok?

Até a próxima encrenca fiscal... 🙂

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(*) Quer uma dose de otimismo no seu dia? O Mansueto Almeida foi quem começou a divulgar tudo isso aí. Veja, por exemplo, aqui. Hoje, leitor, ele está no governo... 🙂

 

 

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