BNDES: existir ou não existir, eis a questão?

Pipocam na imprensa especializada [e na academia] artigos de opinião [e científicos] sobre o papel do BNDES na economia brasileira. De modo geral, poucos economistas advogam pelo fim do banco, mas muitos são os que defendem sua reestruturação. E tal lição vem direto da teoria econômica. Em poucas palavras: o governo pode [e deve!] intervir no mercado toda vez que existem falhas de mercado, i.e., toda vez que o mercado aloca mal [ou não aloca] recursos para fins alternativos. Daí que a indagação sobre existência ou não do BNDES vira quase que uma implicação lógica desse argumento econômico: ele deve existir, mas não do jeito que existe. Expliquemos, leitor.

Primeiro, é preciso responder à pergunta se o mercado de crédito brasileiro é robusto ou não, o que implica em receber ou não intervenção do Estado. Seja no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo, crédito envolve informação. O ofertante de crédito não tem informação completa sobre o tomador do empréstimo [e isso por melhor que seja seu modelo de risco], logo toda transação envolve uma certa dose de risco. Tal risco tem um preço que está implicitamente embutido naquilo que nós chamamos de taxa de juros. Perceba, portanto, que quanto maior for o risco de crédito [ou, alternativamente, menor a informação sobre o tomador] maiores serão as taxas de juros.

Do expresso acima, pode-se concluir que em havendo insegurança jurídica, os juros serão elevados e a oferta de crédito reduzida. Daí para concluir que existe falha de mercado e que o governo [via BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal] deve intervir é um pulo. Simples, não?

Não! Por que em primeiro lugar, o mais correto [sensato] seria atacar as fontes da restrição de crédito, quais sejam: tributação e insegurança jurídica, principalmente. O fato de existir elevado risco de crédito se dá por que é difícil [senão, impossível] recuperar crédito no país. Se isso fosse tratado com a devida atenção, a discussão sobre o papel do BNDES ganharia outros tons e uma nova direção.

Em segundo lugar, o BNDES [a Caixa e o BB] devem existir, mas não do jeito que existem. O BNDES não pode continuar captando recursos do Tesouro e emprestando a TJLP para tomadores que possuem outra opção, como Vale, Petrobrás, Telemar etc. Isso não faz muito sentido do ponto de vista econômico. Se o BNDES que continuar existindo [e subsidiando alguns tomadores] deve focar em dois nichos de mercado, que claramente não seriam atendidos mesmo se o risco de crédito diminuísse: 1) projetos de inovação; 2) microcrédito. Em ambos os casos as garantias são parcas, o que implica em restrição pelos entes privados, mas os ganhos econômicos e sociais são evidentes. Ou seja, nesses dois casos há clara falha de mercado o que justifica uma intervenção estatal.

Já nos empréstimos atuais do banco só há "falha" de mercado porque o ambiente de negócios brasileiro é ruim. Um exemplo claro disso é que a relação crédito/PIB saiu da zona de conforto de 20% no início do século para quase 50% em finais do ano passado. Isso ocorreu graças a melhorias instituicionais [alienação fiduciária e lei de falências, principalmente] e não porque o Tesouro passou a aumentar a fonte de recursos do BNDES. Desse modo, o BNDES só é interessante nesse momento porque o risco de crédito ainda é elevado. Caso não fosse, sua existência mais do que prejudicaria o mercado.

Por fim, cabe lembrar o outro sentido da relação mercado-governo. Se há "falha" de mercado e o BNDES atua, há também falha de governo. Primeiro porque a existência do BNDES causa ainda mais redução da oferta de crédito privado. Ora, como competir com um player que tem uma fonte subsidiada de recursos? Daí que a própria existência do BNDES causa [também] restrição na oferta de crédito. Em segundo lugar, a oferta de crédito subsidiado torna a política monetária muito mais rígida - algo que vem sendo seguidamente apontado nos documentos oficiais do Banco Central. Desse modo, o Banco deve sim existir, mas de outra forma.

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