Alguns economistas tendem a relacionar muito fortemente a inflação ao crescimento econômico. Qualquer outra coisa que esteja causando inflação, caso o crescimento esteja baixo, é advindo ou de algum componente inercial ou de algum problema de custos. A partir disso, para eles, uma alta da taxa básica de juros [a Selic] nesse momento seria como dar um tiro no pé: não afetaria a causa da inflação [custos e/ou inércia] e ainda seria maléfica para a retomada do próprio crescimento econômico. No presente post eu explico ao não iniciado o porquê desse raciocínio não ser inteiramente correto.
Em primeiro lugar, é preciso elucidar o que nós economistas chamamos de canais de transmissão da política monetária. Tal nome pomposo significa que quando o Banco Central aumenta ou diminui os juros, isso não afeta de forma instantânea o nível geral de preços. A ação de política monetária é propagada por cinco canais típicos: i) expectativas dos agentes; ii) estrutura a termo da taxa de juros; iii) preço dos ativos; iv) crédito; v) câmbio. Desse modo, um aumento [ou queda] da taxa de juros tem impacto em cada um desses canais, antes de afetar as decisões de consumo [e investimento] das pessoas, o que geraria no final do processo menor [ou maior] pressão inflacionária.
No presente post, dada a discussão recente sobre se a Selic vai aumentar ou não ainda este ano, chamo atenção para o primeiro canal de transmissão: as expectativas dos agentes. Faço isso porque, como vivemos sob um regime de metas de inflação, neste o objetivo básico da autoridade monetária é minimizar o desvio entre a expectativa de inflação dos agentes econômicos e a meta de inflação, tendo como restrição para isso a estrutura da economia. A meta de inflação é, nesse aspecto, um guia que baliza as expectativas dos agentes em relação ao comportamento dos preços futuros. Ou seja, cabe ao Banco Central coordenar tais expectativas, de modo que se for bem sucedido, elas convergirão para a meta previamente anunciada, fazendo com que no final do processo a inflação efetiva seja igual ou próxima ao centro da meta. A pergunta que fica: a autoridade monetária brasileira está sendo bem sucedida nessa coordenação?
O gráfico acima mostra o comportamento do desvio das expectativas dos agentes em relação ao centro da meta de inflação [4,5%]. Tal número é o resultado de uma fórmula que avalia uma média ponderada entre os desvios das expectativas em relação à meta do ano t com os desvios das expectativas em relação à meta do ano t+1. Isto é, combina, com pesos diferentes, as expectativas de inflação de 2013 para o próprio ano de 2013 e também para 2014. Conforme os meses vão passando, o peso do ano corrente [2013, nesse caso] vai diminuindo. Essa forma de calcular o desvio das expectativas de inflação em relação à meta [proposta por Minella, A. et al (2002). Inflation targeting in Brazil: lessons and challenges. Texto para discussão do Banco Central do Brasil nº 53, disponível em www.bcb.gov.br] evidencia um aspecto crucial do regime de metas de inflação: o fato de que a autoridade monetária deve sempre olhar para frente.
Tal aspecto, chamado na literatura de forward-looking, refere-se à capacidade preditiva presente na ação da autoridade monetária. Isto porque, como dito anteriormente, ao acionar a política monetária [aumento ou redução de juros], ela deverá se propagar pelos canais de transmissão relevantes até ter efeito sobre o nível geral de preços. Isso, entretanto, não é automático, ou seja, leva-se um determinado tempo para que a cadeia de eventos ocorra. Os economistas chamam isso de defasagem na transmissão das ações de política monetária [no Brasil, tal defasagem é calculada entre 6 e 9 meses]. Desse modo, dada essa característica, o Banco Central precisa influenciar as expectativas futuras dos agentes [e não as passadas, dado que essas já percorreram o trajeto rumo aos preços dos bens e serviços].
Nesse contexto, dados os problemas atuais de comunicação da autoridade monetária, o canal das expectativas está extremamente prejudicado. Isso é perceptível no gráfico acima. Os desvios em relação à meta de inflação só fazem aumentar, evidenciando que os agentes não confiam que o Banco Central será capaz de cumprir com o que vem prometendo - a tal convergência, ainda que não linear, para o centro da meta. É justamente por isso que o aumento dos juros, muito mais do que simplesmente relacionado ao hiato, é necessário para dizer ao mercado que o Banco Central continua sim preocupado com o aumento no nível geral de preços.
Isso, claro, dado que a inflação atual é muito mais do que apenas o resultado de choques isolados. A atual difusão do aumento de preços tem prejudicado o canal das expectativas, elevando o desvio em relação à meta, o que dada a literatura sobre canais de transmissão da política monetária, contribui para o fato de que nos próximos períodos, tais expectativas se transformarão em elevação da inflação efetiva. É para conter esse movimento, assumindo que o canal das expectativas é relevante, que o Banco Central não pode descartar usar o instrumento convencional de política [juros].