Auge e declínio do inflacionismo no Brasil

O título não é meu, mas de um ensaio provocativo do ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco. Nele, o autor estabelece as bases que permitiram o Brasil conviver com essa patologia econômica sem cura. No presente artigo inicio uma sequência de três análises minuciosas sobre o comportamento das principais variáveis macroeconômicas. Inspirado pelo texto de Franco, começo pela inflação.

Infelizmente, leitor, as notícias nesse campo não são agradáveis. Em primeiro lugar, parece ser necessário, uma vez mais, relembrar os malefícios do processo inflacionário. Muito em função do que o governo tem feito nessa seara. Inflação, leitor, o aumento generalizado, contínuo e assincrônico de preços, corrói o poder de compra da moeda ao longo do tempo. Existindo inflação, vale dizer que R$ 100 daqui a um ano não compra a mesma quantidade de bens e serviços do que hoje. Em particular, ela afeta preponderantemente os mais pobres, geralmente com baixa poupança e, por isso, sem acesso a ativos financeiros que “ganhem” da inflação de determinado período. Dito isto, como está o comportamento dessa patologia no país?

A inflação oficial no Brasil é avaliada mensalmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), coletado pelo IBGE. Na passagem de setembro para outubro, o índice variou 0,57%, acumulando alta de 5,84% em 12 meses. Dado que a meta de inflação é de 4,5%, esse número representa um desvio de 1,34 pontos percentuais. Não por outro motivo, as expectativas de inflação para 2013 estão também em torno de 5,8%. Expectativas deterioradas retroalimentam a inflação efetiva, mantendo-a descolada do que seria uma inflação considerada aceitável.

Desagregando o índice, é possível ainda verificar que a situação poderia ser pior. A métrica é dividida em nove grupos: alimentos, habitação, artigos de residência, vestuário, transporte, saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais, educação e comunicação. Há ainda subgrupos, itens e subitens, pelo qual é sistematizado o comportamento dos preços de 365 bens e serviços. O grupo transportes, por exemplo, com peso médio de 20% no IPCA, teve contribuição média negativa de 26% nos últimos 12 meses. Lembrando ao leitor que nesse grupo estão muitos dos preços administrados, aqueles definidos por algum índice de reajuste pelo governo.

Tais preços são, em média, 25% do IPCA. O seu complemento é representando pelos preços livres, determinados pelo sabor da oferta e da demanda desses bens e serviços. No acumulado em 12 meses até outubro, aqueles variaram 1,01%, enquanto estes variaram 7,37%. Ou seja, leitor, apesar do índice cheio registrar alta de 5,84%, há claramente uma inflação subjacente bem mais elevada no país. Para ilustrar ainda mais o argumento, a inflação de serviços, que inclui, por exemplo, alimentação fora de casa, cinema, conserto de automóveis, dentre outros; na mesma métrica anterior, acumula alta de 8,74%. E o que tem possibilitado um valor tão baixo para os preços considerados administrados?

O governo, ao longo dos últimos anos, tem feito uma série de medidas visando “controlar” a inflação desse grupo. Entre estas inclui desonerações sobre energia e combustíveis, como zerar a CIDE, não repassar o acionamento de térmicas para a tarifa e reduzir uma cesta de tributos para a gasolina, por exemplo. Em outros termos, ao invés de utilizar a política monetária e atacar as restrições a oferta agregada de bens e serviços, o governo tem tentando controlar a inflação via repressão de preços administrados. Não por outro motivo, o grupo transportes acumula alta de apenas 1,05% em 2013. É o que nós economistas chamamos de “mecanismos não monetários de controle da inflação”, algo distante do consenso da profissão nos últimos 40 anos.

Outra forma de verificar o problema que estamos criando para os próximos anos é avaliar os famosos núcleos de inflação. Estes consideram a variação “normal” do índice ao longo do tempo, excluindo oscilações transitórias. A média dos cinco núcleos existentes no país indica inflação acumulada em 12 meses até outubro em 6,28%. Isto é, leitor, excluindo a contribuição dos preços administrados pelo governo, a inflação encontra-se bem próxima ao limite superior da meta, que é de 6,5%. E por que estamos criando esqueletos para os próximos anos?

É simples. Essa forma de “controlar” a inflação não é sustentável ao longo do tempo. Somente com o grupo combustíveis e energia, estima-se que 0,5 pontos percentuais foram retirados do superávit primário. Essa métrica indica a solidez do governo, sendo um dos principais instrumentos utilizados por investidores externos para, dentre outros, colocar dinheiro no país. Em outros termos, se o governo reduz o primário para tentar “controlar” a inflação, acaba prejudicando sua solidez, o que soa como tentar tapar várias goteiras com poucos baldes. Não é factível, portanto, que isso possa continuar indefinidamente. Uma hora, ele deverá reverter esse conjunto de desonerações, para aumentar a arrecadação, o que fará com que aqueles preços artificialmente baixos, sofram correção.

Em assim sendo, ao leitor atento, parece ser esta um tipo de política tola de “controle” inflacionário e, portanto, ineficaz. Como nos lembra Gustavo Franco, nosso país já tentou esse tipo de coisa, até o surgimento do plano real, em 1994. Fizemos uma série de medidas, visando tapar as goteiras do telhado, quando o correto seria mesmo consertar o telhado da economia. Quando o correto seria atacar os problemas que incidem sobre nossa baixa produtividade, que coíbem a expansão da oferta agregada de bens e serviços. Sem isso, leitor, só o que estamos fazendo é adiar a correção desses preços, que virão no futuro próximo. Querendo o governo ou não.

(*) Publicado no Correio Popular, de Campinas. Contato com o autor: macroeconomia@vitorwilher.com.

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