O título me renderá censura automática, eu sei, mas peço que persevere, só um pouco. Criticar a esquerda no Brasil é como ser contra os pobres, a favor da "injustiça social" (sic), das desigualdades etc. Nada mais tosco, de saída. Bem como nem todos no lado de cá são tão esclarecidos assim, há no lado de lá muita gente que ainda não aprendeu a usar o excel. Não vou me ater aqui, alerto, aos que (ainda, meu Deus!) querem romper com o FMI e querem moratóra da dívida pública. Esses, realmente, têm que sair da adolescência. Tentarei, do contrário, nesse breve post, "falar" dos que querem tudo, mas nunca dizem como chegar lá. Como apontei em post recente, não sou contra, a priori, políticas sociais: como social-liberal sou a favor de políticas públicas que possibilitem maior igualdade de oportunidades. A questão relevante, nesse aspecto, é como pagar a conta desses bens e serviços públicos a serem ofertados pelo Estado?
Há na esquerda um grupo de pessoas que ainda não entendeu que todo gasto tem que ser financiado: via tributos, via emissão de títulos ou emissão de moeda. Cada uma dessas formas de financiamento retira renda da sociedade - mesmo a última, não se iluda. Desse modo, a esquerda, se quer participar de um debate sério, deve sempre se perguntar como pagar a conta de sua agenda social. Novamente, não sou, a priori, contra o sonho da Constituição "cidadã" de 1988. O que devemos pensar é: i) como podemos construir uma economia que consiga gerar renda suficiente para pagar por essa agenda; ii) como podemos tornar o Estado eficiente, para que ele tribute de um lado, mas consiga retornar esses impostos em oferta de bens e serviços de qualidade. São coisas difíceis, não se engane.
Você, afinal, pode incluir o que quiser nessa sua agenda social: previdência, segurança, saúde, educação, renda mínima (bolsa família), habitação etc. Pense em tudo o que promoveria maior igualdade de oportunidades entre as pessoas, isto é, que minimizaria as desigualdades geradas por uma economia de mercado, pelo tal capitalismo. Pensou? Bacana: agora eu lhe pergunto como vamos pagar por tudo isso? Você tem que lembrar o seguinte: o Estado brasileiro hoje já arrecada 37% da renda gerada anualmente pela sociedade. Com esse dinheiro, ele oferta os bens e serviços que você tem notícia. A qualidade, bem, ela é ruim para a maioria deles. Então, se você quer aumentar a quantidade desses bens e serviços ofertados pelo Estado - e não falamos da qualidade - você tem que me dizer como vai financiar isso. Novamente: via aumento daqueles 37%, aumento da dívida pública (que alguns de vocês querem decretar moratória) ou emissão de moeda. Por partes.
Aumentar a arrecadação via impostos é relativamente fácil se o governo tiver maioria no Congresso. A atual presidente já manifestou, por exemplo, o interesse em elevar tributos esse ano, para cumprir a meta de superávit primário. Mas você acha mesmo que aquele povo que foi às ruas em junho/julho vai topar pagar, por exemplo, 50% de tributos para bancar a expansão dessa agenda social?
Outra forma de financiar essa agenda social é aumentando a dívida pública, isto é, emitindo títulos. Essa forma, entretanto, envolve dois problemas, ao menos. Em primeiro lugar, se você aumenta a dívida pública, usa poupança privada, que poderia financiar investimentos privados e, portanto, aumentar a oferta de bens e serviços. Ademais, dívida pública maior hoje implica em maiores pagamentos futuros, acaso você não seja daqueles que querem moratória, não é mesmo? Logo, você fará, nesse caso, um "saque" sobre a renda das gerações futuras, seus filhos e netos. Será que eles estão de acordo?
A outra forma corriqueira de financiar uma ampla agenda social é simplesmente mandar a Casa da Moeda trabalhar em três turnos. Ou seja, emitir mais dinheiro. Tem gente que ainda acha essa opção interessante, então a coloquei. O problema de emitir mais moeda é que você vai gerar mais inflação, isto é, afetará o poder de compra dessa nota de 100 no seu bolso. Não é um conceito simples, a inflação, mas imagine que se ela é de 3% ao mês - como na Argentina hoje - é como se no mês que vem você tivesse apenas 97 reais no seu bolso. E assim o poder de compra da sua moeda iria lenta ou rapidamente para o ralo.
Aumentar gasto social, leitor, envolve essas três formas clássicas de financiamento. Você deve escolher uma delas. Suponhamos que você escolha aumentar impostos, vou imaginar que você seja um cara de boa fé. Então, lembre-se o seguinte: ao aumentar os impostos no Brasil de hoje, você reduzirá ainda mais a competitividade da economia brasileira. Hoje somos o 116º país, pelo Banco Mundial - aquele mesmo que alguns de vocês desprezam -, em competitividade. Mais impostos para arrecadar, em uma das burocracias mais retrógradas do mundo, afastará ainda mais investidores e empreendedores. E isso tornará os preços mais elevados, dada a oferta menor e a demanda crescente - lembre-se do aumento de transferências e da renda mínima para as famílias mais pobres, por exemplo. Em outros termos, você aumentou impostos e elevou os preços, de uma tacada só! Bom programa você tem hein, rapaz!
A esquerda tola quer ir à Glória, mas não quer pagar o bonde. Aumentos de gastos sociais concomitantes com maior eficiência do Estado e aumento da competitividade das empresas exigem uma agenda positiva. Aquele papo de neoliberal de privatizar a infraestrutura - que o governo tem feito, diga-se -, implementar reformas estruturais (tributária, jurídica, política, trabalhista, do ambiente de negócios...), melhorar a gestão da máquina pública e conduzir as políticas monetária e fiscal com parcimônia são pré-requisitos para que se construa uma agenda social. Do contrário, aumentar gastos sociais sem a contrapartida da melhoria do ambiente de negócios é sinônimo de fracasso retumbante. É o caminho mais curto para se tornar a próxima Argentina ou, pior, a próxima Venezuela. De outra forma, é possível implementar uma economia social de mercado, que trate tanto de igualdade de oportunidades para seus cidadãos como elevação da competitividade das empresas. Basta você parar com sua ideologia torpe que as coisas poderiam ser melhores.
Pare com esse discurso tosco de querer um monte de bens e serviços públicos sem se preocupar em como pagar por eles. Pare de querer reivindicar passe livre sem se preocupar que se não é na tarifa, é no imposto que você vai pagar. Não acredite nesses partidos grotescos de esquerda que prometem o reino dos céus na Terra, mas nunca mostram o caminho até lá. Há, afinal, tolos nos dois lados, uns que querem Estado mínimo e não se preocupam com igualdade de oportunidades, outros que querem Estado máximo e não se preocupam em como pagar por isso. A discussão relevante, desse modo, é convergir os dois lados para o ponto onde a igualdade de oportunidades é máxima, sujeita, claro, ao orçamento público equilibrado e a maior competitividade das empresas. Só assim conseguiremos tornar o Brasil um país mais desenvolvido, no sentido amplo do termo.