Por que a inflação está alta no Brasil?

Pode ser nervosismo meu, mas eu não consigo me conformar com uma inflação oficial próxima a 6%. Oficial, porque se a gente colocar a inflação represada dos preços administrados, como combustíveis, energia e transporte, o principal índice do país, o IPCA, estaria na casa dos 8%. E isso é muito alto, se você comparar com países sérios por aí. Dito isto, a pergunta que segue é: por que, afinal, a inflação está alta no Brasil? O motivo básico é que esse governo não acredita na estabilidade de preços. Sim, você não leu errado: em pleno 2014 ainda tem gente que não acredita nos malefícios da inflação. E esse ainda "tem gente" inclui nosso ministro da fazenda, o Sr. Guido Mantega. Nas palavras dele:

“Mesmo que haja inflação, o importante é que o poder aquisitivo da população esteja crescendo mais do que essa inflação que ocorre normalmente todo ano.”

Dois equívocos, ao menos, nessa frase, leitor. Primeiro, o essa inflação que ocorre normalmente todo ano mostra um cinismo sem tamanho. Quer dizer então, ministro, que a inflação rondando o limite superior da meta nos últimos quatro anos é normal? Quer dizer que congelar preços administrados, como o de combustíveis, energia e transporte, é normal? Ou, em outros termos, é normal enganar as pessoas, dizendo que a inflação está sob controle?

Não está. Qualquer pessoa que frequente supermercados ou vá a restaurantes, por exemplo, sabe que a inflação está rodando na casa dos 8% há um bom tempo. Como, entretanto, o índice oficial é uma soma ponderada de 373 bens e serviços, a inflação média está rodando a 6%. Para que isso seja possível, o governo simplesmente congelou os preços de combustíveis, energia e transporte. Como esses produtos são insumos para maior parte do que consumimos, o preço médio fica também artificialmente menor. Mais ainda elevado, dado que 6% é uma das maiores inflações do mundo - basta dar uma olhada nos dados Banco Mundial.

Não à toa, temos tido tantos problemas no setor elétrico, como comentei aqui. Ora, leitor, preço, acaso o ministro não saiba, é um índice de escassez: ele sinaliza como está a oferta e a demanda por um determinado bem. Se você mantém ele artificialmente baixo, você perde essa referência de escassez. O que você acha que vai acontecer? Pois é, lá em economia a gente aprende isso em micro 0, mas acho que o atual governo cabulou essa matéria, viu. Significa dizer que você está sinalizando para os produtores ofertarem menos e para os consumidores demandarem mais.  O custo disso, para os cofres públicos, já está na casa dos R$ 40 bilhões. Significa dizer que manter preços artificialmente baixos tem custo? Quem diria, hein, ministro!

O segundo equívoco é ainda mais grave, leitor. Diz o ministro que Mesmo que haja inflação, o importante é que o poder aquisitivo da população esteja crescendo mais. Ah, ministro, essa foi de doer, viu. Quer dizer, então, que tudo bem ter inflação de 6% (quando deveria ser 8%) se os salários crescem a 7%, 8%?

Esqueceu de dizer o ministro que aumento de salário hoje significa mais consumo amanhã. O problema é que os agentes são espertos e como eles sabem disso, esperam hoje que a inflação aumente amanhã. Com expectativas elevadas, a inflação de hoje já reflete esse aumento de consumo derivado do aumento do salário. Isto porque, a inflação de hoje é função do que acontece com as expectativas dos agentes para a inflação de amanhã. Se o ministro der uma olhada nos dados, verá que é exatamente isso que está ocorrendo no Brasil. Os agentes sabem que uma hora os preços administrados terão de se elevar, para sinalizar adequadamente o que está acontecendo com oferta e demanda. Quando se elevarem, a inflação oficial sofrerá correção. Logo, a expectativa dos agentes para a inflação de amanhã segue acima de 6%. Mesmo com 375 pontos-base de aumento de juros - já estou colocando os 25 de hoje.

Em outras palavras, salários crescendo acima da inflação causam mais inflação! O que parece coerente, não é mesmo? Em macroeconomia, diz-se que manter salários crescendo acima da produtividade gera aumento de preços, porque basicamente você está aumentando os custos das empresas. E se você insistir nisso durante vários períodos, o que colherá será apenas uma inflação crescentemente elevada - sem falar da perda de competitividade da indústria frente aos produtos importados. É um resultado consagrado pela evidência empírica, mas o que são dados para essa equipe econômica, não é mesmo? Por aqui, vale teoria alternativa, largamente utilizada no período pré-plano Real. Você já sabe como terminou essa História, o que acha que acontecerá agora, se insistirmos nisso?

Então, leitor, entendeu por que a inflação está alta no Brasil? É basicamente porque o atual governo não tem a menor preocupação com a estabilidade de preços. Não acha que a inflação seja um malefício. Se os salários ganharem da inflação, tudo bem, não é mesmo? Sério: precisamos de um novo governo... 🙁

ps: a fonte da fala do ministro é o "bom dia ministro", via Valor Econômico, aqui.

Compartilhe esse artigo

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Email
Print

Comente o que achou desse artigo

Outros artigos relacionados

Análise regional do mercado de trabalho com dados do CAGED usando Python

Os microdados dos CAGED fornecem informações detalhadas a nível de cidade, sexo, raça, nível de instrução, idade, salário e outras sobre os trabalhadores formais do Brasil, possibilitando ricas análises regionais de dados. Neste artigo mostramos como acessar, processar e analisar estes dados utilizando o Python.

Transfer Learning: mostrando porque o Python está na ponta do desenvolvimento

A aprendizagem por transferência (transfer learning) é o reuso de um modelo pré-treinado em um novo problema. Portanto, sua utilização torna-se um avanço enorme para a previsão de diferentes tipos de variáveis, principalmente para aquelas ordenadas no tempo. Mostramos nesta postagem o uso do Transfer Learning com o Python para o caso de Séries Temporais.

como podemos ajudar?

Preencha os seus dados abaixo e fale conosco no WhatsApp

Boletim AM

Preencha o formulário abaixo para receber nossos boletins semanais diretamente em seu e-mail.