Fluxo cambial e taxa nominal de câmbio

É bastante conhecida na literatura a desconexão entre fundamentos econômicos e a taxa de câmbio de curto prazo. Essa era, inclusive, uma das grandes discussões do final de 2021: por que o câmbio R$/US$ estaria tão desvalorizado diante dos fundamentos? Nas últimas semanas, a apreciação do real frente ao dólar, novamente, tem surpreendido economistas e analistas envolvidos na árida tarefa de modelar e prever a taxa de câmbio. Nesse Comentário de Conjuntura, exploramos esse dilema, dando ênfase ao fluxo cambial.

Essa dicotomia entre fundamentos e câmbio de curto prazo pode ser explicada ou compatibilizada tendo com base diversos fatores. Em particular, existem assimetrias importantes sobre o conhecimento dos fundamentos da economia. A agregação dessas informações pode, por suposto, gerar divergências entre o micro e o macro no curto prazo.

Como relata Lazaro (2017), resolvemos essa dicotomia explorando a relação entre o câmbio contratado e a taxa de câmbio nominal. O câmbio contratado é originado pela entrada/saída de moeda estrangeira no país, constituindo-se, portanto, em operações do Balanço de Pagamentos. Uma vez gerado esse movimento primário, há operações secundárias no mercado interbancário que geram a cotação da moeda estrangeira. Em outros termos, as transações no mercado primário de câmbio dão origem às transações no mercado interbancário doméstico, sendo transmitido então para o preço da moeda estrangeira.

Em termos empíricos, podemos acompanhar o fluxo cambial por meio da série de câmbio contratado, disponibilizada pelo Banco Central. O gráfico acima ilustra a série diária e uma média móvel de 14 dias. Como é possível observar na área hachurada, a média móvel vem aumentando ao longo de 2022, por um maior volume de fluxo cambial. Esse aumento do fluxo iria ser repassado, naturalmente, para o preço.

Acima, observamos o comportamento da taxa de câmbio nominal R$/US$, que mostra o início dessa apreciação das últimas semanas. Existe, por suposto, uma forte correlação negativa entre a série de câmbio contratado e a taxa de câmbio nominal, como pode ser vista abaixo. Isto é, mais fluxo está associado a câmbio mais valorizado.

Essa correlação implica em causalidade? Os resultados encontrados a partir de um teste de Wald sugerem que rejeitemos a hipótese nula de que não existiria influência do câmbio contratado sobre o câmbio nominal. Em outras palavras, a evidência sugere que existe uma precedência temporal entre uma e outra série.

Essa evidência ajuda a entender por que em determinadas situações, o câmbio nominal não reage a fundamentos como o diferencial de juros, por exemplo. Pode ser o caso que não haja atratividade para investimentos estrangeiros em carteira no país ou simplesmente para alocação de moeda derivada de exportações, o que mantém o câmbio em nível mais depreciado, independente dos fundamentos.

______________

(*) Os códigos do exercício estão disponíveis para os membros do Clube AM.

(**) Lazaro, F. A. (2017) Câmbio contratado, fluxo de ordem e taxa de câmbio no Brasil, Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo.

Compartilhe esse artigo

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Email
Print

Comente o que achou desse artigo

Outros artigos relacionados

Como analisar a relação de risco-retorno de ações?

O que é retorno? O que é o risco? Como exatamente os definimos e como podemos avaliar os ativos com base nessas medidas? Neste artigo, apresentamos uma introdução concisa à análise e gestão de ativos financeiros, destacando a eficácia do Python na coleta, tratamento e análise de dados financeiros. Exploraremos como utilizar a linguagem para avaliar o risco-retorno de ações.

Retropolando a série do desemprego no Brasil

Nosso objetivo neste exercício será estender a taxa de desemprego fornecida pela Pesquisa de Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) através daquela fornecida pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME). Serão construídas duas séries: uma normal, outra dessazonalizada. Faremos todo o exercício utilizando o Python.

Variáveis Instrumentais no R: qual o impacto do gasto de segurança no crime?

Diversos métodos econométricos têm como principal finalidade melhorar o processo de investigar o efeito de uma variável sobre a outra, e um importante método encontra-se no uso de Variáveis Instrumentais na análise de regressão linear. Mas como podemos utilizar essa ferramenta para auxiliar no estudo da avaliação de impacto?

Neste post, oferecemos uma breve introdução a esse importante método da área de inferência causal, acompanhado de um estudo de caso para uma compreensão mais aprofundada de sua aplicação. Os resultados foram obtidos por meio da implementação em R, como parte integrante do nosso curso sobre Avaliação de Políticas Públicas utilizando esta linguagem de programação.

como podemos ajudar?

Preencha os seus dados abaixo e fale conosco no WhatsApp

Boletim AM

Preencha o formulário abaixo para receber nossos boletins semanais diretamente em seu e-mail.