Por que é preciso abandonar a heterodoxia?

Para além da retórica eleitoral, existe uma economia a se analisar e desafios a serem enfrentados. Os cenários que estão em construção para os próximos anos não são muito otimistas, para não dizer catastróficos, acaso insistamos nos pilares macro e microeconômicos perseguidos nos últimos anos. Na próxima semana, por exemplo, o IBGE divulgará o resultado do PIB no segundo trimestre, que está previsto ser negativo na margem - contra o primeiro trimestre. Para o ano, as previsões estão entre 0,5% e 0,9%, o que dá um crescimento médio de 1,7% ou 1,8% nos últimos quatro anos. Continuado esse ritmo de crescimento, a renda per capita do país, hoje em cerca de US$ 11 mil, dobrará apenas em distantes 100 anos.

Dobrar a renda per capita em um século não é o desejo dos economistas, por maior ou menor "fetiche" que cada um de nós possa ter pelo tema do crescimento. Crescer, em última instância, é condição necessária para tornar um país mais desenvolvido, ainda que questões distributivas se imponham no percurso. Para economistas neoclássicos, em particular, a questão distributiva nada mais seria do que uma consequência direta do próprio processo de crescimento, dado que para alavancá-lo é preciso tornar as instituições "azeitadas" bem como o capital humano mais qualificado. A melhoria das dotações dos indivíduos traria, assim, não apenas o aumento agregado da renda per capita, bem como a melhor distribuição dessa renda.

Para além do debate acadêmico entre economistas, é um pouco mais difícil obter consensos sobre o processo de crescimento. Crescer no debate mais aberto com a sociedade brasileira parece ser um tema secundário, diante da desigualdade de renda e de oportunidades que salta aos olhos em qualquer bairro ou cidade. Talvez por isso, uma opinião particular minha, ainda experimentemos atalhos para o desenvolvimento, como os utilizados nos últimos anos.

Sabe-se da teoria econômica que o crescimento deriva de três coisas: do aumento do investimento em capital físico, do incremento de mão de obra qualificada e do aumento de produtividade. É difícil, nesse contexto, gerar crescimento sustentável da renda per capita sem perseguir melhoria qualitativa/quantitativa nesses três elementos. Pode-se, como parece estar no livro-texto utilizado pela atual equipe econômica, comprar aumento de crescimento no curto prazo pelo incentivo aos componentes da demanda - consumo, principalmente. Mas o efeito desses incentivos é como o de alguma droga ilícita: passa cada vez mais rápido conforme a insistência do uso.

O resíduo desses incentivos atua, ainda, como uma restrição importante para alavancar o crescimento sustentável. No campo macroeconômico, a inflação aumenta, pelo descompasso entre oferta e demanda, bem como o déficit em conta corrente, pelo aumento das importações em relação às exportações. No campo micro, as famílias se tornam mais endividadas e as empresas sofrem com o aumento da incerteza sobre o ambiente econômico, pelo uso indiscriminado dos instrumentos de política econômica.

É justamente por esse "resíduo heterodoxo" que os próximos anos devem ser de ajuste. É preciso, antes de tentar incentivar o investimento, a educação e a produtividade, que o ambiente econômico volte a se estabilizar. Isso será feito pelo controle da inflação e do déficit em conta corrente, por um lado e por outro, pela desalanvancagem das famílias endividadas e pelo aumento da confiança das empresas. Sem nivelar o terreno, dificilmente será possível voltar a ter uma economia com crescimento saudável.

Nivelado o campo de jogo, ai sim, deve-se impor a teoria econômica: isto é, melhorar o ambiente de negócios para que tanto a taxa de investimento quanto a produtividade consigam avançar. O que passa necessariamente pela busca de consensos em torno de reformas estruturais, como a da legislação trabalhista, a tributária, a política e a do marco regulatório. E aqui não se trata do debate surrado entre menos e mais estado: trata-se apenas de dividir tarefas. Há, afinal, coisas que cabem ao estado, outras que dizem respeito a entes privados. Confundir responsabilidades custará tão somente mais anos aquela conta de dobrar a renda per capita.

Os modelos dizem que se quisermos dobrar a renda per capita em 20 anos, precisamos ter um crescimento próximo a 4,5%. Para isso é preciso colocar a taxa de investimento em torno de 25%, a produtividade mais próxima de 2% de crescimento e a educação brasileira em patamar melhor no PISA - hoje estamos entre os últimos colocados do exame internacional. Pode-se tentar perseguir esses números com medidas de cunho heterodoxo, mas não me parece ser o caso. A teoria nacional desenvolvimentista foi justamente a responsável pela construção de nossa desigualdade de renda e de oportunidades, ao priorizar investimentos em educação superior a educação básica. Por que agora seria diferente?

Em assim sendo, leitor, estamos crescendo abaixo de 2% ao ano por uso exclusivo de uma teoria alternativa que não tem compromisso com o crescimento sustentável da oferta agregada. Ela está equivocada porque não consegue mexer com os fatores que causam o crescimento. O aumento do ativismo estatal, seja na administração de política econômica no curto prazo, seja na construção de cenários de longo prazo, ignora os desenvolvimentos na teoria econômica convencional no último meio século. Não se admira, portanto, que a expectativa hoje seja a pior possível para os próximos anos. E isso é ciência, não é retórica eleitoral.

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