No mundo das atas do Copom, as novidades vêm a passos de cágado. Faz parte do "manual" dos bancos centrais ser cauteloso e vago em sua comunicação com o mercado, até porque ser muito preciso sobre como vê a situação econômica pode ter impacto direto em sua credibilidade - na medida em que o que comunica não é referendado pela realidade. Feita a ressalva, foi com interesse e curiosidade que recebi a ata da 187ª reunião do Comitê de Política Monetária. Nela há muitas coisas "novas", que indicam com bastante clareza qual é o "plano de voo" daqui para frente - sempre ressaltando que intenções são uma coisa, realidade imposta é outra. Se tudo for conforme pensa o comitê, o banco central aumentará a taxa Selic para 12,25%~12,5%, em duas ou três doses de 25 pontos-base. É o que significa a combinação de palavras "especialmente vigilante", "parcimônia", "efeitos cumulativos e defasados da política monetária", "intensificar, nesse momento", "pode e deve conter os efeitos de segunda ordem deles decorrentes", temperada pela esperança do Comitê [e de Tombini, em particular] em Levy. Santo Levy?
Não. Joaquim Levy é, dos economistas brasileiros, provavelmente, o mais capacitado para o momento desafiador das finanças públicas. Mas daí a elevá-lo à categoria de santo já vai distância. Posto isso, será que deveria o Banco Central expressar tamanha crença nas palavras do futuro ministro da fazenda? Prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém: muito menos a um banco central que precisa [desesperadamente, eu diria] recuperar credibilidade junto aos agentes econômicos. Por isso, as seguintes expressões da ata do Copom merecem ser esmiuçadas a contento:
"O Copom observa que o cenário central para a inflação leva em conta a materialização das trajetórias com as quais trabalha para as variáveis fiscais. Não obstante identificar evidências de estímulos fiscais na composição da demanda agregada este ano, na visão do Comitê, no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público tende a se deslocar para a zona de neutralidade, além disso, pondera que não se pode descartar migração para a zona de contenção fiscal".
A parte em negrito reflete o anúncio feito por Levy sobre o superávit primário de 1,2% do PIB a ser perseguido em 2015. Diante dos desafios políticos e econômicos [aumento de impostos e contenção de despesas] que cercam esse anúncio, a prudência recomenda cautela por parte do banco central. Quando não, ceticismo. Isso faria um bem maior às expectativas de inflação do que o simples referendo às palavras de Levy. Algo que fica ainda mais claro na próxima passagem.
"Em outra dimensão, o Comitê considera oportunas iniciativas no sentido de moderar concessões de subsídios por intermédio de operações de crédito; além disso, atribui elevada probabilidade a que ações nesse sentido sejam implementadas no horizonte relevante para a política monetária".
A moderação dos subsídios, contidos nos repasses do Tesouro ao BNDES, principalmente, é algo repetidamente solicitado pelo comitê nos últimos anos. E, claro, algo que deve ser feito com a maior urgência possível. A questão é que a atribuição de "elevada probabilidade" a esse tipo de atitude, feita pelo comitê, ocorre de forma quase simultânea ao novíssimo repasse de mais de R$ 30 bilhões ao BNDES. Como o inferno está cheio de bem intencionados, novamente, prudência era algo mais adequado, nesse momento. Isso faria um bem maior às expectativas de inflação, que para os próximos 48 meses encontra-se em 5,75% a.a. Nunca é demais lembrar que a meta é de 4,5%. Ou seja, a crença de Tombini [e do comitê] em Levy é contraproducente para conter esse desvio de 1,25 ponto percentual. Age de forma a aumentar [e não diminuir] o desvio, o que, por si só, retroalimenta a inflação efetiva.
Ao que parece, portanto, a parcimônia do comitê nos próximos aumentos, em doses de 25 pontos-base e em mais dois ou três encontros, apenas, está embasada na esperança de que a política fiscal ajudará. Faz sentido? Sim, o mercado deu seu voto de confiança a Levy, mas daí esperar menos inflação por conta disso, já é pedir um pouco demais. O banco central, desse modo, deveria "confiar, desconfiando", o que significa evitar dizer o que disse sobre o anúncio de Levy em sua ata. A esperença de Tombini [e do comitê] poderia[m] ter ficado apenas em suas próprias preces...
(*) Para uma leitura introdutória sobre o "aperto de mão secreto" que orienta a comunicação do banco central com o público recomendo Which kind of transparency? On the need for Clarity in monetary policy-making, working paper nº 26 do ECB, agosto de 2000.