[et_pb_section admin_label="section"][et_pb_row admin_label="row"][et_pb_column type="4_4"][et_pb_text admin_label="Texto" background_layout="light" text_orientation="justified" text_font="Verdana||||" text_font_size="18" use_border_color="off" border_color="#ffffff" border_style="solid"]
Foi com o entusiasmo de uma criança que encarei a primeira semana de aulas no Instituto de Economia da UFRJ, no campus da Praia Vermelha, há muitos anos. Lembro, com bastante nitidez, das "boas vindas" feitas pelo diretor do IE e pelo coordenador da graduação, ambos ainda professores de lá. Mais precisamente, lembro da palavra plural: "o IE se orgulha de ser uma instituição plural". Hoje, já escaldado pelo significado da expressão, rio de forma silenciosa toda vez que alguém repete o lema. À época, entretanto, o meu entusiasmo em ter passado para uma faculdade estatal - e receber, de bom grado, admito, o subsídio do Erário que vinha combinado com o feito - me impediu de perceber onde estava me metendo. Tive que aprender na prática o que o tal pluralismo significava.
O pluralismo a que tanto o diretor quanto o coordenador se referiam refletia-se em quase todas as aulas. Um gato, afinal, pode ser preto, branco ou cinza, a depender do gosto de quem está vendo. E assim, em macroeconomia I, matéria que vem logo depois de introdução à macroeconomia, um mix de visões foi dado sobre como lidar com os diferentes problemas macroeconômicos. Em particular, muitas aulas foram gastas, em debates acalorados, diga-se, sobre a tal neutralidade da moeda. Tema, aliás, que seria explorado em muitas outras disciplinas [como economia monetária I e II] e que causaria a estranha sensação de que nós alunos deveríamos aprender a repetir um mantra do tipo "a moeda não é neutra, palavras do Senhor". Ademais, era preciso compreender que os modelos neoclássicos nada tinham a acrescentar ao debate sério sobre política monetária.
Era esse o pluralismo?
O pluralismo na apresentação das inúmeras maneiras de ver e lidar com problemas macroeconômicos era, assim, temperado de forma sutil ou não - a depender do professor - com o ensino do aperto de mão secreto. Professores pós-keynesianos, por exemplo, se esforçavam para que o aluno aprendesse o tal PDE, princípio da demanda efetiva, outro mantra profissional. E assim, modelos de inspiração mais mainstream eram confrontados com o tal PDE. Sem o devido julgamento, sem amplo direito à defesa, tais modelos eram sumariamente rejeitados. Antes ou depois da apresentação das premissas, a depender do gosto do professor.
Para um técnico de telecomunicações, que já trabalhava há alguns anos com o pragmatismo das centrais telefônicas de grande porte, essa forma de apresentar a disciplina foi meio que um balde de água fria. Na escola técnica, afinal, somos treinados a encontrar soluções para problemas reais. Dei-me um problema que te dou uma solução, dizia um simpático professor de sistemas de televisão, em uma relação careta, baseada em fundamentos técnicos bem azeitados.
Já no IE, a relação entre problemas e soluções, em geral, violava a lei mais básica das funções. Ademais, as ditas soluções não eram tão efetivas assim, posto que eram baseadas mais em abstrações e menos em testes empíricos. A academia, assim, ia me parecendo uma torre de Marfim, protegida das dificuldades do mundo real. Parecia repetir o surrado bordão que impera em nossas faculdades de pedagogia: é preciso formar o cidadão crítico. O ensino das quatro operações ou, no caso da economia, dos últimos avanços da profissão, fica ao largo nesse processo...
O desalento era grande quando terminei as três cadeiras obrigatórias de macroeconomia [introdução, macro I e macro II]. Até que me matriculei em curso optativo titulado Teoria da Política Monetária - Análise Macroeconômica III. Olhando pelo retrovisor, não entendo como um curso daqueles poderia ser optativo e não obrigatório, mas, enfim, pode ser apenas o entusiasmo desse escriba...
O professor, Antônio Luis Licha, um argentino radicalizado no Brasil, com o currículo mais "plural" que já conheci: com especialização em matemática feita na sua terra e doutorado em economia na Unicamp, local que já mereceu alguns posts por aqui.
O curso, dividido em 30 aulas, era o ir e vir de modelos. Dadas algumas hipóteses simplificadoras, equações surgiam no quadro negro exibindo relações entre variáveis macroeconômicas. Sistemas eram, com muita musculação, resolvidos, até que uma solução elegante e simples era apresentada. As restrições impostas por aquela solução eram, então, discutidas, assim como suas implicações práticas.
Para um aluno que havia adorado as aulas de eletrônica digital na escola técnica, a derivação de modelos era quase uma festa com direito a open bar. As portas lógicas foram substituídas pelo cálculo diferencial, enquanto as discussões posteriores à construção dos modelos me davam o que não era possível, por questões óbvias, no curso técnico.
Foi pelas mãos de um argentino formado na Unicamp que, enfim, me encontrei na profissão. O curso foi desde as primeiras incursões no mundo da teoria normativa de política monetária aos últimos modelos desenvolvidos nessa área particular da macroeconomia. O uso intensivo de matemática e estatística, temperadas por alguma econometria, era o que faltava para eu poder entrar na macroeconomia de cabeça. Ao invés de todas as visões, queria mesmo era aprender o máximo de modelos possíveis, alavancas sobre as quais iria responder os questionamentos que me fossem apresentados.
O pluralismo a que tanto o diretor quanto o coordenador fizeram questão de ressaltar naquela primeira semana de aulas me foi apenas uma espécie de desculpa para criticar os modelos neoclássicos. Para ser plural, um curso de graduação deve dar uma formação absolutamente convencional aos seus alunos, sem críticas a priori. Como, afinal, formar economistas críticos, sem o devido treinamento sobre modelos mainstream?
As críticas aos modelos neoclássicos, cada vez mais constantes e sem filtro à medida que o curso avançava, iam me parecendo cada vez mais fora de propósito. Elas iam desde as mais canalhas, as que criticavam as tais "hipóteses heróicas" desses modelos, às que exigiam dos modelos o que eles nunca poderiam dar: explicações sobre o sexo dos anjos.
O olhar técnico sobre as coisas da vida e um curso cheio de equações me motivaram a entender tais modelos antes de criticá-los. Só após receber o treinamento adequado, pensava à época, poderia me encaixar em uma das caixinhas, representadas pelos grupos de pesquisa do Instituto. Não sabia eu, entretanto, que depois de ter contato com tais modelos, nenhuma dessas caixas poderia me servir...
E esse, leitor, é o principal conselho que lhe dou, se quer mesmo tornar-se um economista sério: aprenda a teoria econômica mainstream. Depois, se sentir necessidade, busque a crítica. Inverter essa ordem não dá, né? 🙂
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