Introdução
A condução da política monetária no Brasil, historicamente marcada por elevada volatilidade na taxa básica de juros (Selic), impõe desafios significativos para a estabilidade do sistema financeiro e para o orçamento das famílias. Recentemente, observamos um ciclo de aperto monetário robusto, desenhado para combater pressões inflacionárias. No entanto, um efeito colateral inevitável desse processo é o encarecimento do custo do crédito e a consequente pressão sobre a solvência dos tomadores de empréstimos.
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Neste exercício analítico, exploramos a relação dinâmica entre o custo do crédito (juros na ponta) e o risco realizado (taxa de inadimplência). A literatura macroeconômica sugere que o canal do crédito é um dos principais vetores de transmissão da política monetária, mas sua materialização não é instantânea. Existe uma defasagem temporal entre a elevação da taxa de juros e o aumento efetivo da inadimplência, um fenômeno que buscamos mensurar quantitativamente.
Motivação
A motivação para este estudo reside na aparente dicotomia observada no cenário econômico recente. Por um lado, temos um mercado de trabalho aquecido, com taxa de desocupação em mínimos históricos e rendimento médio real em trajetória de recuperação. Por outro, as taxas de juros ao consumidor permanecem em patamares contracionistas.
Para formuladores de política econômica e gestores de risco de crédito, é crucial entender se a resiliência do mercado de trabalho é suficiente para compensar o aumento do serviço da dívida. Além disso, choques como pandemia, auxilio emergencial, e desenrola, podem ter contribuído para a alteração da inadimplência.
Objetivo
O objetivo central deste trabalho é estimar a elasticidade e a defasagem temporal da resposta da inadimplência a um choque exógeno nas taxas de juros. Utilizando a linguagem de programação R, buscamos responder: quanto tempo leva para um aumento nos juros se traduzir em maior inadimplência? Qual a magnitude desse efeito? A análise visa isolar o efeito dos juros, controlando por variáveis de atividade e renda.
Metodologia e Dados
Para a realização deste exercício, utilizamos dados mensais extraídos do Sistema Gerenciador de Séries Temporais (SGS) do Banco Central do Brasil e da PNAD Contínua do IBGE. As variáveis principais compreendem:
1. Inadimplência da Carteira de Crédito (Pessoa Física - Recursos Livres): Nossa variável dependente, representando atrasos superiores a 90 dias.
2. Taxa Média de Juros (Pessoa Física - Recursos Livres): Proxy para o custo do crédito.
3. Taxa de Desocupação e Rendimento Médio Real: Variáveis de controle para capturar a capacidade de pagamento das famílias.
4. Comprometimento da Renda: Indicador da quantidade da renda gasta com juros.
5. Dummies: representam os choques ocorridos pelo advento da pandemia e distribuição do auxílio emergencial. Há também uma adição representando o programa desenrola.
A estratégia econométrica adotada baseou-se na estimação de um modelo de Vetores Autorregressivos (VAR), que permite tratar todas as variáveis como endógenas e capturar a dinâmica de retroalimentação entre elas. Antes da estimação, as séries foram submetidas a testes de raiz unitária (ADF e KPSS) para garantir a estacionariedade, sendo aplicadas as diferenciações necessárias.
A ferramenta principal de análise foi a Função de Impulso-Resposta (IRF - Impulse Response Function). A IRF nos permite simular um choque (impulso) de um desvio-padrão na taxa de juros e observar a trajetória da inadimplência ao longo do tempo, mantendo as demais variáveis constantes. O intervalo de confiança de 95% foi calculado via bootstrap para assegurar a robustez estatística dos resultados.
Resultados
A análise visual inicial das séries temporais revela uma correlação positiva entre o custo do crédito e a inadimplência, com os juros antecedendo os movimentos do risco de crédito. Observamos também que, apesar da queda do desemprego e aumento da renda real, a inadimplência não cedeu na mesma proporção, sugerindo que o efeito preço (juros) tem predominado sobre o efeito renda no curto prazo.
As correlações defasadas indicam uma persistência na relação entre as variáveis. Curiosamente, a correlação linear simples diminui levemente conforme aumentamos a defasagem, o que reforça a necessidade de um modelo multivariado como o VAR para capturar os efeitos indiretos e a dinâmica completa.
O resultado mais contundente emerge da Função de Impulso-Resposta. O gráfico demonstra que um choque positivo nos juros não gera um aumento imediato na inadimplência (o efeito no mês zero é nulo, por construção da identificação de Cholesky). No entanto, a resposta torna-se positiva e estatisticamente significante a partir do terceiro mês, ganhando tração acelerada entre o 5º e o 10º mês.
O pico do impacto sobre a inadimplência ocorre aproximadamente 20 meses após o choque inicial nos juros. Isso evidencia uma defasagem longa e persistente na transmissão da política monetária para o risco de crédito. Economicamente, isso significa que o aperto monetário realizado hoje continuará pressionando a inadimplência das famílias por quase dois anos, mesmo que o mercado de trabalho permaneça robusto. A “cauda” da inadimplência é longa, indicando que o processo de desalavancagem das famílias é lento e custoso.


