Diálogos com o Leruaite Econômico: o ocaso fiscal.

O tema de hoje é uma tentativa de dialogar com um post recente do Leruaite Econômico, elaborado pelo Marcelino Guerra, sobre a relação entre política fiscal e inflação. Marcelino colocou uma função de reação fiscal no post, fez testes de quebra estrutural e chegou à observação de que no período posterior ao terceiro trimestre de 2011 o sinal do coeficiente da inflação teria se modificado. Ele teria passado a ser positivo, indicando um retrocesso em termos de política econômica. Como o Marcelino gentilmente me passou os dados que utilizou, eu aproveitei para fazer um exercício rápido no  \(\mathbf{R} de modo a buscar um diálogo sobre esse que eu acho um campo bem interessante de estudo em macroeconomia aplicada. Ao trabalho, então?

Antes de mais nada, eu sou inclinado a concordar com as conclusões gerais do post do Marcelino. Acho mesmo que tanto a política fiscal quanto a monetária deixaram há muito tempo de se preocupar com a inflação. O problema para quem lida com dados, entretanto, é que isso não basta, não é mesmo? É preciso olhar os dados e tentar encontrar alguma forma de ver se, de fato, os mesmos mostram isso. É nessa direção que caminha o trabalho do Marcelino - não apenas nesse post, mas também ao longo da sua carreira acadêmica, como o leitor pode notar. Pensando nisso, vamos aos dados que ele me repassou?

grafico01

Os gráficos mostram séries trimestrais do impulso fiscaldívida mobiliária em relação ao PIB, hiato do produto desvio da inflação em relação à meta. Bom, leitor, para seguir o exercício, é preciso fazer um teste de raiz unitária. O teste ADF e o KPSS são mostrados a seguir.

grafico02

Todas as séries passam no teste KPSS, enquanto no ADF, a relação dívida mobiliária em relação ao PIB e o desvio da inflação em relação à meta não conseguem rejeitar a hipótese nula. Marcelino fez em seu trabalho o DF-GLS e observou que todas as séries passaram no teste. Bom, dito isto, para prosseguir, vamos considerar que todas as séries são estacionárias em nível, mas pelo gráfico e pelo teste ADF, lembre-se que há ressalvas quanto a isso.

Nesse contexto, prossegui estimando a mesma função de reação fiscal que o Marcelino estimou:

(1)    \begin{equation*} IF_{t} = \alpha_{0} + \alpha_{1}IF_{t-1} + \alpha_{2}D_{t-1} + \alpha_{3}(\pi_{t-1} - \pi^M) + \alpha_{4}h_{t-1} + \varepsilon_{t} \end{equation*}

Os resultados são postos na tabela abaixo.

Função de Reação Fiscal
Dependent variable:
Impulso Fiscal (IF)
IF(-1) 0.730***
(0.085)
Dívida(-1) -0.037
(0.026)
Hiato(-1) 0.029
(0.028)
Desvio -0.068**
(0.026)
Constant 0.018
(0.011)
Observations 52
R2 0.730
Adjusted R2 0.707
Residual Std. Error 0.004 (df = 47)
F Statistic 31.823*** (df = 4; 47)
Note: *p<0.1; **p<0.05; ***p<0.01

Os coeficientes da Dívida e do hiato não são estatisticamente significativos, enquanto os coeficientes do desvio da inflação em relação à meta e do componente defasado do impulso fiscal são. O leitor pode comparar com os resultados encontrados pelo Marcelino. Há diferenças. Em particular, repare no coeficiente do desvio da inflação em relação à meta [que eu chamei, por ausência de criatividade, de Desvio]: ele é estatisticamente significativo e negativo, indicando que aumentos no mesmo fazem o governo reduzir o impulso fiscal.

Como esse parece ser o ponto que Marcelino chamou mais atenção, eu procurei exercitá-lo melhor. Rodei uma rolling regression com diferentes períodos. O resultado final não parece ser sensível. Abaixo coloco um gráfico que mostra a evolução do coeficiente do Desvio para uma janela de 10 trimestres. Além disso, aplico a função cpt.meanvar do pacote changepoint. As linhas vermelhas tracejadas indicam o período em que houve mudança na média e na variância.

grafico04

A primeira coisa que fica evidente é que há muito pouca estabilidade no coeficiente. Isso pode ser devido a problemas na estimação ou mesmo refletir uma opção de política econômica. A segunda coisa é que 2011 parece ser um ano de mudança no coeficiente. Em particular, o período em que o coeficiente fica positivo, nesse exercício, é entre o primeiro trimestre de 2007 e o segundo trimestre de 2011. Em outros termos, aumentos no desvio fariam o impulso fiscal ficar maior [e não menor, como seria o "normal"]. Ele volta a ficar negativo no terceiro trimestre de 2011 e se mantém assim até o final da amostra [quarto trimestre de 2013], apesar de ir se tornando "menos negativo".

O que aconteceu em 2011, leitor? Houve, de fato, um ajuste fiscal no primeiro ano do governo Dilma e isso pode explicar a mudança de positivo para negativo no coeficiente. Antes disso, entre 2007 e 2011, o governo manteve diversos programas de expansão do gasto público, como o programa de aceleração do crescimento. O fato do coeficiente ter se tornado positivo nesse período pode estar refletindo o tal "viés inflacionista" da política fiscal.

Um ponto importante é que o Marcelino e eu chegamos ao mesmo período de quebra: 2011. Os resultados é que não bateram: para a subamostra em que ele roda novamente a mesma equação, o coeficiente passa a ser positivo, enquanto na minha rolling regression o coeficiente se mantém negativo.

Acho que esse é um ponto de debate e diálogo, mas como em minha memória está o tal ajuste da Dilma em 2011, me parece que o resultado da rolling regression encontra-se mais aderente. Enfim, fica a minha contribuição e meu alerta enquanto macroeconomista aplicado: os dados nem sempre dizem o que você quer ouvir! Se o Marcelino ou outrem quiserem continuar a conversa, ficarei feliz em voltar ao tema! 🙂

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