Como aprender macroeconomia...

Se você for aluno de uma faculdade heterodoxa.

De todas as disciplinas que um estudante precisa entender para se tornar economista, macroeconomia é sem dúvida alguma a mais difícil delas. Talvez não a parte simples da coisa, ou seja, fazer provas e ser aprovado nas matérias. Eu falo da parte difícil: entender a macroeconomia como um corpo teórico sólido. Em outros termos, entender a macroeconomia como uma disciplina e não como uma série de achismos e opiniões contraditórias. Mas, cá entre nós, como se chega lá?

Primeiro é preciso entender que a maior parte do que você viu em Introdução à Macroeconomia, macroeconomia I, II e III não passa de HPE. Em português claro: história. Tentar entender macroeconomia via a apresentação de sucessivas escolas de pensamento é provavelmente um dos mais tortuosos caminhos para se chegar ao conhecimento pleno da disciplina. E, infelizmente, é desse jeito que a maior parte das faculdades brasileiras apresenta a matéria. Daí que a escola keynesiana é apresentada em contraste com uma tal de escola neoclássica. Surgem núcleos, espécies, grupos e a teoria econômica é posta de lado.

Talvez alguns professores achem que seja a abordagem mais honesta porque apresenta desde muito cedo as contradições inerentes à profissão. Ou seja, estabelece logo as coisas: mocinhos de um lado, bandidos de outro. E daí para juntar isso com alguma pitada de ciência política ou apologia política é mesmo um pulo. O estudante acaba se tornando refém de certa possessão por tentar transformar a profissão em uma via de fé e não em um corpo científico ordenado.

E aqui paro para ressaltar que não acredito que a macroeconomia já tenha atingido um estado acabado. Muito pelo contrário: estamos longe disso. Afinal, a disciplina é muito nova para ter chegado a esse ponto. Ainda há muitos pontos nebulosos, certo desconhecimento sobre muitas relações e provavelmente ceticismo sobre a capacidade de previsão da maior parte dos modelos. E a ressalva para por ai. Apesar disso tudo, a macroeconomia é um organismo sólido, construído ao longo de revoluções e contrarrevoluções. Vejamos por quê.

A melhor maneira de aprender macroeconomia é senão entender alguns princípios básicos. Primeiro, entenda que nem toda oferta cria sua própria demanda, nem muito menos toda demanda cria sua própria oferta. As coisas não são tão simples assim: há algumas dúzias de coisas que estão entre o vendedor e o comprador para atrapalhar qualquer tipo de equilíbrio automático. Dito isto, prossigamos.

Em introdução à macroeconomia você provavelmente terá um curso de contas nacionais. Não o despreze. Saber como são formados os agregados macroeconômicos e como a oferta se iguala à demanda via tabelas de recursos e usos é provavelmente a melhor forma de não cair em armadilhas lá na frente. Após isso, provavelmente lhe será apresentado alguma versão mal cheirosa da Teoria Geral, expressa em um tal de modelo keynesiano simples e outro completo. O primeiro, alguma coisa tal como cruz keynesiana em que renda e despesa se igualam apenas em um único ponto. O segundo o modelo promovido por Hicks denominado IS-LM e sua versão aberta promovida por Mundell e Fleming, o IS-LM-BP. Talvez você pare por ai em macroeconomia II.

Já em macroeconomia III você provavelmente será apresentado aos princípios microeconômicos da disciplina. Consumo, investimento, dívida pública, inflação, desemprego etc. Relações e conceitos importantes são aprendidos aqui tais como lei de okun, Curva de Phillips, Expectativas Adaptativas e Racionais, informação imperfeita, ilusão monetária etc. É possível que aqui você se desinteresse um pouco, afinal parece que está estudando coisas um tanto quanto desconexas. Persevere, pois o resultado virá logo à frente.

Em macroeconomia IV ou alguma versão de desenvolvimento econômico você se confrontará com a teoria do crescimento econômico. O longo prazo é enfatizado em cursos desse tipo. Até aqui tudo o que viu e aprendeu disse respeito ao curto prazo, às flutuações do nível de atividade, a trajetória dos preços, a reação do emprego, o setor externo etc. Crescimento econômico que gera desenvolvimento fala de outras coisas. É preciso estoque de capital, mão de obra qualificada, progresso tecnológico, boas instituições, saúde e educação públicas para que o crescimento ocorra. Tudo isso, você verá em modelos complexos, cheios de equações e com muito pouca didática por parte dos seus professores. Mas não se desespere: a disciplina avança.

Caso você, mesmo tendo essa overdose de cursos obrigatórios, ainda assim continuar a gostar de macroeconomia é possível que tome alguns cursos optativos. Nestes você poderá aprimorar seus conhecimentos em ao menos três áreas distintas: o ciclo econômico, a teoria da política econômica e o desenvolvimento econômico. Digo três porque existe, apesar de muito pouco estudada, uma teoria normativa da política econômica, em especial da política monetária. E somando-se a esse há o campo da disciplina que estuda as flutuações econômicas a partir de choques de oferta e de demanda. Há também as questões do desenvolvimento, como as referentes a tornar melhor as instituições do país, a importância do capital humano, a importância de um sistema de saúde básico e gratuito; mas também questões técnicas como acumulação de capital, produtividade da mão-de-obra, produtividade total dos fatores etc.

Será provavelmente nesses cursos que você terá contato com a fronteira da disciplina. Sairá do eterno confronto entre lei de Say e PDE para algo mais aprofundado, como os problemas de informação, os custos de menu, o salário eficiência, a legislação trabalhista, tudo enfim que gera problemas de rigidez em preços e salários. Terá acesso a uma macroeconomia diferente daquela aprendida nas matérias obrigatórias. Uma disciplina sólida, que nasceu de uma crise, se reinventou em outra crise e que se encontra hoje em pleno vigor científico, apesar de todas as críticas paleolíticas que vem sofrendo dos discípulos do quarteto Marx, Keynes, Kalecki e Minsky. Verá uma ciência com um corpo normativo bastante arraigado, uma feição positiva sem pudores para descartar modelos obsoletos e incrível capacidade de adequar novos e velhos pensamentos, sob a roupagem metodológica que lhe é característica.

Entenderá que a macroeconomia contemporânea está toda fundamentada em termos microeconômicos. E justamente por isso não dá para entender os artigos mais recentes sem entender a formação de expectativas dos agentes, a qualificação do agente macroeconômico, enquanto uma firma que maximiza lucros, enquanto um consumidor que maximiza utilidade. Não dá para entender os atuais modelos sem entender que a maximização de lucros depende de algum grau de concentração de mercado, que gera mais ou menos mark-up.

Você, leitor, descobrirá também que o modelo IS-LM e sua versão para economias abertas IS-LM-BP já não fazem mais parte da macroeconomia contemporânea. Simplesmente porque não faz mais sentido falar em equilíbrio monetário, representado por uma curva LM no plano renda vs. taxa de juros. E também porque os fluxos de capitais tornaram a BP um tanto quanto irrelevante para análises envolvendo economias abertas. A IS hoje representa o lado da demanda, conjuntamente com uma Curva de Phillips representando o lado da oferta. Uma paridade de taxa de juros representa o contato com o resto do mundo e uma regra de Taylor representa a política econômica. Isso, apesar de parecer estranho para quem só ficou em HPE, e pouco viu macroeconomia, é o estado da arte da disciplina.

Mesmo assim, persevere. Não ignore seu professor ou o que ele tenha a dizer. Apenas duvide e estude bastante fora da sala de aula. É muito provavel que você aprenda mais fora dela. Os professores de macroeconomia, ao menos a maioria deles, estão intricados demais nos velhos manuais para sair de suas zonas de conforto. Eles preferem seguir com o velho esquema obrigatório descrito anteriormente do que assumir que a macroeconomia contemporânea não faz menção alguma ao que ensinam. Ouso dizer que 90% do que você aprendeu nas cadeiras obrigatórias está fora de uso, com as exceções de praxe, é claro.

Em assim sendo dá para entender porque o seu professor critica tanto o que ele chama de escola neoclássica. É claro! Ele cita o equilíbrio walrasiano e a lei de say para criticar o projeto de pesquisa neoclássico. Ele não se dá ao trabalho de explicar os modelos semi-estruturais dos últimos 20 anos. Ele explica conceitos e teorias de pelo menos 100 anos e os critica! Isso, para mim, é a forma mais dolorosa de se aprender macroeconomia. A você, leitor, caso seja iniciante, ande algumas casas e estude pelas coisas mais novas. Você não se arrependerá se assim o proceder.

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