Momento exige calma

Calma. É preciso ter calma para não ceder à tentação pessimista que está tomando conta de todos. Dos investidores privados ao Federal Reserve. O Brasil, aquele país que apareceu decolando na The Economist, hoje está entre os mais frágeis do mundo. Percepção exagerada, provavelmente, mas que tem sido tomada mais por mal estar com a má condução dos instrumentos de política econômica. No âmbito fiscal, a contabilidade criativa, no âmbito monetário, o excesso de crédito dos bancos públicos, as sucessivas falhas de comunicação do banco central e a ânsia em colocar a taxa de juros real em números mínimos, ignorados os fundamentos. 2014 começou intenso, com perspectivas de menor crescimento, mais inflação e impasse externo. Calma em momentos como esse parece ser mesmo o melhor a recomendar.

A clientes, principalmente. Estão todos eufóricos com o sabor das muitas variáveis macroeconômicas e financeiras. As bolsas de todo o mundo oscilam sem mostrar tendência, refletindo a incerteza, o pessimismo, a descrença. O mercado de divisas, com moedas sofrendo - umas mais, outras menos - os recentes desdobramentos da política monetária norte-americana. O investimento, esse, coitado, definha, frente expectativas deterioradas. O empreendedor, sujeito crédulo no futuro, por princípio, refaz suas contas, rearranja suas planilhas, repensa o que fazer. Enquanto o faz, o investimento não se materializa e a oferta de bens e serviços não se expande. O crescimento recua em tom melancólico, como o ator que interroga o silêncio de uma plateia vazia.

A inflação, doença que nem a moderna teoria macroeconômica conseguiu curar, se espalha pelo organismo econômico brasileiro, refletindo o descompasso contundente entre salários e produtividade. O pleno emprego tupiniquim, fruto de um crescimento vindouro de outros tempos com menor procura por trabalho, alimenta o processo inflacionário. A inflação, sem cura e sem o freio de uma política monetária bem administrada ou de um crescimento da oferta de bens e serviços, assola o país. Está em todos os cantos, em todas as cestas de todos os consumidores.

E à inflação alta e ao baixo crescimento se junta o impasse externo. Os estímulos à demanda, feitos pelo crédito dos bancos públicos, pela política monetária e fiscal frouxas, desmantelam o equilíbrio macroeconômico. A demanda cresce mais que a oferta, gera uma inundação de importados na economia, eleva o déficit em conta corrente. É a resultante macroeconômica de baixa poupança doméstica, seja dos agentes privados, seja dos governos. A poupança baixa solicita poupança externa, financiamento do resto do mundo às nossas demandas do presente. O almoço nunca é de graça, afinal, escolhe-se sempre entre ele e o dinheiro que se dispõe na carteira. Na macroeconomia não é diferente.

E depois de desdizer do ambiente macroeconômico, por que peço calma? A calma, leitor, é uma virtude importante em momentos conturbados como esse. Nem o Brasil é o melhor, nem é o pior lugar do mundo. Temos todas as fragilidades listadas, mas somos um país melhor do que a Turquia, Indonésia, África do Sul e Índia. Não estamos à beira de um colapso dantesco, como a Argentina ou a Venezuela. A calma nos levaria imediatamente para outro patamar. Vejamos por quê.

A calma, por exemplo, é vital para recuperarmos a credibilidade da política monetária. É preciso elevar os juros até o ponto em que eles inibam o crescimento da demanda acima do da oferta. E isso já está ocorrendo. Na margem, o hiato entre varejo e indústria se reduz, evidenciando menor pressão sobre os preços, o que é um indício de que o "ajuste" está em curso.

Também é vital para recuperar a política fiscal, tão prejudicada pela criatividade do governo, pela falta de transparência. Não é difícil, digo, basta vontade. Anunciar e cumprir um nível de superávit primário acima de 2,5%. Sem a recorrência de receitas extraordinárias. Reduzir os aportes aos bancos públicos, notadamente ao BNDES, mas também à Caixa e ao Banco do Brasil.

Azeitada a política econômica, um pouco mais de calma, principalmente nos meses próximos às eleições presidenciais. Lá será preciso cobrar reformas estruturais dos candidatos. Mas não palavras ao vento: é preciso uma agenda positiva, que inclua a reforma política, a tributária, a do judiciário, da desburocratização do ambiente de negócios, do marco regulatório definitivo para a infraestrutura. Calma, leitor, para que o debate dos economistas chegue ao debate político. Todas as reformas importantes para elevar a produtividade da economia, fazer crescer a oferta, em um momento de pleno emprego do fator trabalho. Só assim para a inflação sem cura deixar de se manifestar.

O Brasil não é frágil como quer o Federal Reserve de Janet Yellen. Mas nossa inoperância em não fazer o que é correto em termos conjunturais e estruturais nos deixa no clube privativo de países arredios. E como cobrar coerência dos mercados se nós mesmos não somos coerentes? Nosso passado de absurdos gloriosos, como bem nos disse Renato Russo, dá margem a todo o tipo de dúvida. E como vivemos em tempos anormais, uma simples dúvida é capaz de aflorar o mais crédulo dos investidores. Calma, muita calma, para que a sociedade consiga cobrar de seus prováveis governantes as soluções concretas para todos esses problemas.

 

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