No governo, mais vale ser amigo do rei do que competente.

"Senhor, Vossa Majestade não sabe o que é essa política de corredores, esses arranjos de camarilha. Vossa Majestade quer que os melhores trabalhem nos seus conselhos, mas os medíocres é que se arranjam. O merecimento fica para o lado" - Quincas Borba, Machado de Assis.

 

Teófilo, o deputado de Machado, tinha razão. Não apenas ontem, como também hoje. No Império ou na República, virou praxe - salvo as honrosas exceções - o signatário da Nação cercar-se de tolos. Indivíduos cuja competência profissional é frágil ou inexistente.

É por essa, e claro por muitas outras razões, que o Estado brasileiro presta tão porcos serviços. Na maioria das repartições públicas escolhem-se os "líderes" não por seu irretocável currículo, mas pelo círculo de amizades que cultiva. Ao invés de metas de qualidade e serviços de excelência, temos companheirismo e camaradagem na nomeação dos "gestores" públicos.

Afinal, desde os tempos coloniais, mais vale ser amigo do Rei (ou, por uma cadeia de transitividade interminável, amigo dos amigos do Rei) do que ser competente na respectiva área de atuação. Talvez, caro leitor, estejamos todos em Pasárgada, a terra prometida de Bandeira.

Neste paraíso tropical, a meritocracia ainda é um conceito completamente desconhecido. "Como assim remunerar mais quem entrega resultados melhores e demitir os maus funcionários?", esbravejam, sem compreender, os eternamente críticos. Nós que defendemos o mérito, até mesmo na máquina pública (e por que não?), somos taxados de neoliberais, "comedores de criancinha", radicais de direita etc. Deviam ler Sócrates, que em seus famosos diálogos disse: "Não saber que nada sabe é o cúmulo da ignorância".

Mas para que estudar? Afinal, chegaram ao posto mais alto da República com poucos anos de educação formal! Ao contrário de serem mais cautelosos em suas declarações, orgulham-se de sua ignorância. E, claro, preferem continuar com as indicações, com os cargos comissionados e as polpudas verbas de gabinete. "Esse negócio de mérito só dá certo na iniciativa privada!". O velho Sócrates ficaria espantado.

Tomada essa postura pela casta governamental, como reage o conjunto da sociedade brasileira? Alguns poucos criticam, mas a maioria dá de ombros. O brasileiro médio, a propósito, até comemora a enxurrada de concursos públicos, certo de que é hora de desfrutar do trinômio estabilidade, bons salários e pouco trabalho.

Teófilo mesmo, personagem machadiano que representava fibra moral e ética, acabou seduzido pelas mordomias do Executivo federal - mais uma das muitas ironias de Machado. Como então culpar a classe média, assolada pelo desemprego estrutural e aumento exponencial da concorrência? Já que não há remédio, juntemo-nos à burocracia estatal. E assim perde-se o espírito weberiano do capitalismo, construindo uma nação economicamente raquítica.

E nós, a minoria crítica ao eldorado tupiniquim, ficamos assim, meio que perdidos ou repetitivos. Batendo sempre nas mesmas teclas. Criticando sempre as calejadas instituições informais que predominam no inconsciente coletivo, imaginando que alguém nos dê ouvidos. Enquanto ninguém dá, ficamos com o "ódio e a compaixão" e eles, a casta governamental e seus defensores, ficam com as "batatas", como magistralmente prescreveu o gênio Machado de Assis.

 

Publicado em O Globo, em 23/05/2008.

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