O ministro da fazenda declarou recentemente que o Brasil havia saído da retaguarda e passado à vanguarda da economia mundial. Teria o ministro razão em declamar tão virtuosas palavras a respeito da nossa economia? A análise rasteira da economia brasileira sempre passou, ao longo de nossa História pregressa, por dois extremos. No primeiro, somos os “vira-latas” do mundo, um país repleto de problemas, acostumado aos jeitinhos e malandragens para ir levando as coisas do jeito que dê. No segundo, um ufanismo psicótico toma conta das cabeças pensantes e leva como verdade o fato de sermos uma potência prestes a emergir para além de nossas fronteiras. Em que ponto estamos nesse momento, leitor?
Para que fique claro: os extremos são parte da análise rasteira. Aquela sem compromisso com questões estruturais mais amplas. E ao longo de nossa História ecoamos de patinho feio para rainha do baile. Do país do carnaval a aspirante ao Conselho de Segurança da ONU. Receptor de criminosos internacionais a benchmark na exploração em águas profundas. Vivemos um misto de euforia e vergonha ao longo de toda a nossa História. Em alguns momentos aqueles se destoam, enquanto em outros estes comandam.
O Ministro Mantega, nesse contexto, parece ter achado um lado. Para ele, nós somos agora o país do presente. Não mais do futuro. As bases para uma efetiva transformação da sociedade brasileira foram postas e chegou o momento de participar da festa. O crescimento econômico, uma medida pobre, mas bastante aceita de aumento de bem-estar social, tem sido mais pujante nos últimos anos – uma média de 4% nos últimos oito anos, contra 2,3% do imediato período anterior. A pobreza extrema foi reduzida em quase 30 milhões de pessoas. Programas de transferência de renda foram conduzidos com grande atenção internacional. Quase todas as crianças de 7 a 14 anos estão frequentando a escola. Mais e mais empresas brasileiras estão ganhando o mercado externo, aumentando sua internacionalização, o que gera divisas consistentes para a nossa economia.
Além disso, o Ministro tem razão quando aponta fundamentos macroeconômicos mais sólidos. Temos mais de US$ 350 bilhões em reservas internacionais, estamos recebendo fluxos de capitais externos cada vez mais significativos. A política monetária tem sido guiada com relativo sucesso nos últimos anos. A irresponsabilidade fiscal de outrora foi severamente limitada, dada a existência de marcos regulatórios especialmente sofisticados. O caminho parece mesmo sedimentado, não é mesmo leitor?
Observe o leitor que o que garante a sustentabilidade de todo o cenário positivo prospectado pelo Ministro se acentua na continuidade do fluxo de capitais externos. Isto porque, se crescemos, é inevitável que tenhamos déficit na conta corrente – salvo em alguns anos excepcionais. O financiamento do déficit é feito, nos anos recentes, por elevadas reservas de Investimento Estrangeiro Direto. Nesta conta, a propósito, estariam investimentos produtivos, com maior prazo de maturação, portanto, não sujeitos às flutuações irracionais do mercado. Será?
Depender de capitais externos – ou de poupança externa, como queiram – aumenta nossa vulnerabilidade externa. Primeiro porque, mesmo o IED, pretensamente de mais longa maturação, tem um componente de arbitragem – os empréstimos inter-companhias estão associados com operações financeiras e não com operações de financiamento produtivo. Segundo, porque ao primeiro sabor de reviravolta no cenário internacional, esses capitais que ajudam a fechar no balanço de pagamentos esvaem-se. O resultado é um forte overshooting do câmbio, gerando escassez de divisas e impactos na inflação doméstica.
A reação do Brasil à crise de 2008 foi muito comemorada pelas autoridades porque reagimos muito melhor à piora do cenário externo. Tivemos, sem embargo, um rápido overshooting do câmbio, mas como contávamos com reservas internacionais de US$ 200 bilhões e houve queda nos preços de commodities, nossa economia não foi tão impactada quanto outras de mesmo porte. E justamente dessa sequência de eventos que o Ministro sente-se confortável para dizer que hoje estamos mais preparados ainda para lidar com o recrudescimento do cenário externo. Será?
A política fiscal, desde que a lei de responsabilidade foi aprovada – e que, a propósito, este governo foi contra – apresenta resultados ambíguos. Se de um lado, ela ajudou a melhorar o perfil da dívida pública – ainda que não seja o ideal – de outro continuou a perfilar tanto uma estrutura tributária extremamente regressiva e pouco transparente quanto gerou aumentos sucessivos de gastos correntes. Desse modo, o uso da máquina pública tem contribuído para que tenhamos as mais altas taxas de juros do mundo, coisa que pouco economistas discordam – somente aqueles mais alinhados a este governo.
Além disso, este governo reinaugurou neste país uma espécie de contabilidade criativa das contas públicas, bem ao gosto dos tantos governos populistas que já tivemos em nossa História. Deu prosseguimento a sucessivos aportes do Tesouro Nacional ao BNDES, sob a pretensão de estar ajudando a manter o nível de investimento em patamares elevados. Além disso, usou-se da Petrobrás para trazer a valor presente ativos que ainda não foram sequer tomados como viáveis de exploração no pré-sal. É mesmo uma deterioração rídica, tola e alusiva dos tempos em que esse país foi condenado a estar eternamente no futuro, nunca no presente.
Nossa melhor resposta a crise de 2008 se deu por alguns motivos. O primeiro, emblemático, foi nossa incapacidade em fazer com que o sistema bancário cumpra seu papel de emprestar. Dado que o risco de crédito é muito alto nesse país, os bancos preferem manter em suas carteiras uma grande quantidade de títulos públicos, que geram boa rentabilidade com baixo risco. Empréstimos para consumo somente com taxas de juros muito elevadas ou quando o risco de crédito se mostra vantajoso – créditos consignados, imóveis e carros com alienação fiduciária. Desse modo, como nosso sistema bancário está sujeito a dura supervisão e o risco de crédito é elevado, ficamos a salvo dos “derivativos tóxicos” - ou CDO´s. O que era nossa desgraça há cinco anos virou uma de nossas virtudes. Cômico, não?
Em segundo lugar, nossa resposta de política econômica só foi possível porque havíamos feito um ajuste fiscal via aumento de receitas (impostos) anos antes e porque o preço das commodities compensou a depreciação cambial. Dadas essas hipóteses, conseguimos fazer uso tanto da política fiscal quanto da monetária, pela primeira vez no período recente. Sem embargo, não fossem esses condicionantes, nossa economia pouco poderia fazer para conter o recrudescimento do cenário externo, como sempre, diga-se.
E tudo isso, leitor, não significa sobremaneira, que estamos na vanguarda da economia mundial. Precisamos eliminar o nosso principal problema, nossa histórica deficiência: a vulnerabilidade externa. Precisamos crescer sem depender de poupança externa. Para que isso aconteça, entretanto, é preciso que tanto o governo quanto as famílias poupem mais. Nossa ridícula poupança interna é um limitante à sustentabilidade de qualquer ciclo de crescimento.