O pleno emprego e a política monetária: a arte venceu a ciência?

À medida que o conhecimento sobre a estrutura de uma determinada economia é imperfeito, a condução da política econômica, em especial aqui da monetária, é um misto entre ciência e arte. Aquela, porque é preciso reconhecer o acúmulo de conceitos e teorias ao longo dos últimos dois séculos, ao menos. Esta, entretanto, porque cabe na condução do instrumento alguma sabedoria em saber administrar o remédio em meio à turbulência do ciclo econômico. Dito isto, é preciso qualificar o fato implícito de que em uma economia beirando ou em estado de pleno emprego é muito difícil, senão impossível, que uma expansão monetária não produza outra coisa que não seja pressão inflacionária e aumento do déficit em conta corrente. Vejamos aqui por quê.

Em primeiro lugar, está ou não a economia brasileira em pleno emprego nos últimos anos? Supondo uma economia que faz uso de capital e trabalho, dado um nível de produtividade total dos fatores, para gerar um nível de produto, a definição de pleno emprego usual é aquela que diz que a produtividade do trabalho se iguala aos salários reais – em termos de taxa de crescimento. Em outras palavras, nesse ponto as firmas estão maximizando seus lucros, pelo emprego de determinada quantidade do fator trabalho na produção de bens e serviços. Visto de outra forma, se a produtividade estiver crescendo mais do que os salários, a economia está operando em um ponto onde ainda é possível para as firmas contratarem mais mão de obra. Caso contrário, se os salários estiverem crescendo mais do que a produtividade, é porque a economia está em um ponto além do possível para empregar mão de obra e gerar maximização de lucro por parte das firmas.

Feita a alusão ao modelo teórico, vamos aos dados. Estes dizem que a economia brasileira fechou o ano passado com taxa de desemprego aberto em 5,5%. Além disso, dizem que a produtividade do fator trabalho, entre 2010 e 2012, cresceu ao redor de 1,2% e os salários reais em torno de 3,3%. Se ampliarmos para o período 2006 a 2012, aquela mostrou crescimento em torno de 2,2% e estes repetiram o número do período anterior. Os cálculos não são meus, mas foram apresentados no último seminário do IBRE/FGV sobre mercado de trabalho, pelo economista Fernando de Holanda Barbosa. Eles mostram que, dado o modelo teórico acima ilustrado, se os salários estão crescendo mais do que a produtividade, é bem provável que estejamos em um ponto onde a taxa de desemprego está abaixo da taxa considerada de pleno emprego.

Nesse contexto, o modelo teórico, novamente, implica que o aumento do nível de bens e serviços finais produzidos em determinado período do tempo (PIB) se dá pelo incremento de mão de obra, pelo acúmulo de capital via fluxos de investimento e elevação da produtividade total dos fatores. Se a economia chegou ao ponto de pleno emprego do fator trabalho é peremptório que o crescimento se dê ou pelo aumento da taxa de investimento ou pela elevação da produtividade total de fatores. Desse modo, o uso de políticas econômicas expansionistas só terá como resultado último o aumento do descompasso entre demanda e oferta, gerando pressão inflacionária e elevação do déficit em conta corrente. É isso que se vê?

Precisamente, leitor. A inflação medida pelo IPCA nos últimos três anos (2010-2012) foi em média de 6,08%, enquanto o déficit em conta corrente fechou o segundo trimestre desse ano em 3,23% do PIB – acima da média histórica, que está em torno de 2,5%. As projeções do Banco Central para essas duas variáveis em 2013 não mostra cenário melhor: ela é de 3,3% para o déficit e de 5,8% para a inflação. Desse modo, dado o modelo, que representa a ciência descrita no primeiro parágrafo, e os dados, que corroboram as implicações teóricas, o que dizer da condução da política monetária nos últimos anos?

Em uma economia situada em uma região de pleno emprego desde 2011, a atuação da política monetária deve ser vista com ressalvas. A partir de agosto daquele ano, o Banco Central decidiu por promover um ajuste da taxa básica de juros, o que após dez reuniões e 525 pontos-base de redução, levou essa taxa para 7,25% ao ano. Em termos reais, ela passou de 5,3% para 1,8% ao ano nesse período. Em outras palavras, o Banco Central retirou a política monetária de uma situação de neutralidade frente ao ciclo econômico para outra, expansionista, alegando “ventos desinflacionários” vindos do exterior.

Tais ventos, se vieram, não foram suficientes para colocar a inflação em sintonia com a meta de 4,5%, como mostram os dados acima. Nos últimos quatro trimestres, a oferta cresceu em média 1,2%, enquanto o consumo das famílias cresceu 2,9%, sempre no acumulado em quatro trimestres, gerando pressão inflacionária sobre a economia.

Em assim sendo, leitor, ter dado mais peso para a arte do que para a ciência, nos parece, foi uma decisão equivocada da autoridade monetária. As implicações do modelo teórico em termos de política econômica não apenas se fizeram presentes, como foram aprofundadas no contexto referido. As dificuldades do Banco Central, no atual ciclo de contração monetária, em balizar as expectativas dos agentes, nada mais são, desse modo, do que os resíduos da má condução do instrumento no ciclo de expansão monetária citado acima. A arte, quando não respeita a ciência, promove esse tipo de contradição.

 

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