O terraplanismo econômico está doente, mas não morreu

Graças ao fracasso desconcertante do governo Dilma Rousseff e sua famigerada Nova Matriz Econômica, a ortodoxia tem emplacado grandes vitórias nos últimos anos. A aprovação da reforma trabalhista, o cadastro positivo, a TLP, o Teto de Gastos e, agora, a Reforma da Previdência são algumas bandeiras históricas desse lado de cá do debate. Tudo isso pode dar a impressão que a heterodoxia econômica está morta e sepultada no país. Mas não é bem assim, infelizmente. Basta ver o enorme esforço que economistas e professores heterodoxos fizeram em cada um desses temas. Sempre, obviamente, se posicionando contrários a cada uma daquelas pautas. O terraplanismo econômico está doente, talvez até envergonhado, mas longe de estar morto.

A Grande Depressão vivida pelo país ao longo dos anos 2014-2016, com reflexos que perduram até os dias atuais, envergonhou os defensores do terraplanismo econômico. Mas não causou, infelizmente, uma mudança de mentalidade irrestrita. Ao longo dos últimos três anos, quando foram feitas e discutidas pautas importantes para o país, ficou evidente que economistas e professores de economia ligados às ideias implementadas no país ao longo de 2006-2014 pouco aprenderam sobre os desatinos daquela agenda. Nem mesmo a adoção de uma taxa de juros que reduzisse ao longo do tempo os subsídios implícitos nos empréstimos do BNDES foi abraçada por esse grupo de economistas. Mesmo depois do fracasso estrondoso da política industrial tocada pelo banco.

Na pauta fiscal, é estridente a gritaria dos heterodoxos. Rechaçaram veementemente a adoção do teto de gastos, mesmo diante de um crescimento médio de 6% em termos reais nos últimos 20 anos. Gasto, para esse grupo, parece continuar sendo vida. Ou, em outras palavras, para retomar o crescimento, tudo o que é preciso fazer é aumentar o gasto. Não se atentaram em nenhum momento para o crescimento do gasto obrigatório - notadamente a folha de pagamentos de ativos e inativos - e o estrangulamento do investimento público, como consequência.

No debate da previdência, então, negaram o quanto puderam a aritmética! Isto é, a existência de déficit nas contas da previdência. Confundiram expectativa de sobrevida com expectativa de vida ao nascer, defenderam privilégios de corporações, enganaram a sociedade com informações mentirosas sobre o texto-base da reforma.

Não houve até aqui, diga-se, qualquer autocrítica sobre os erros cometidos no período 2006-2014, onde vigorou uma agenda desenvolvimentista com cheiro de naftalina. A tônica do gasto irresponsável, o uso de bancos públicos como braço parafiscal, as inúmeras tentativas e fracassos de política industrial baseada em subsídios, a volta do controle de preços administrados, a contabilidade criativa nas contas públicas, enfim, a lista de equívocos é grande. Mas quando foi que você leu ou ouviu algum economista heterodoxo fazendo mea culpa por tudo isso?

Tudo o que vimos até aqui foi uma tentativa descarada de afastamento: as ideias não eram deles, a Dilma tocou a agenda sozinha!

Como não eram, cara pálida, se a cada artigo com sugestões para sair da crise, está lá o DNA da Nova Matriz? Não faltam novas propostas de controle dos juros, do câmbio e aumento do gasto. O que dizer da sandice de usar reservas para promover investimentos? Ou o ataque desavergonhado a cada uma das reformas em tramitação no Congresso?

A heterodoxia parece não ter compreendido que a economia brasileira tem um claro problema de oferta, com a produtividade caminhando com a ajuda de aparelhos. E isso desde o final de 2010! A agenda de reformas é necessária justamente para atacar essa debilidade. Não se trata aqui, diga-se, de um diagnóstico novo. O terrível ambiente de negócios brasileiro não surgiu nos últimos 10 anos, é fruto de décadas de protecionismo, burocracia e insegurança jurídica. Atacar essas ineficiências é uma condição mais do que necessária para que a economia consiga, enfim, ter um crescimento de renda per capita sustentável.

A tristeza é que a cada pauta ou reforma que ataque essas ineficiências, lá estarão os defensores do terraplanismo econômico sendo vigorosamente contrários a qualquer mudança. Do lado de corporações públicas e privadas. Comprometidos com narrativas e economistas defuntos, sem dar importância para a ampla evidência empírica disponível. E mais do que triste, corremos o risco desse grupo voltar ao poder nas próximas eleições, dado que os resultados de um processo de reforma são demorados e de difícil assimilação pelo conjunto da sociedade. O risco é real, como nos mostra a vizinha Argentina.

Diante disso, o que nos resta? Do lado de cá, cabe não se abater, mostrando sempre o que os dados têm a dizer, de forma a convencer o conjunto da população sobre os benefícios da agenda de reformas e sobre os malefícios de se voltar a adotar os fundamentos da Nova Matriz. Desse debate depende a volta do crescimento sustentável e a convergência na direção dos países que deram certo ao redor do mundo.

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