Há entre os economistas brasileiros uma espécie de consenso sobre os erros da condução da política econômica. Sejam keynesianos ou neoclássicos, há a concordância de que o governo tem errado a mão ao optar por uma estratégia caduca de desenvolvimento. E qual seria essa estratégia, se economistas de matizes teóricas tão estanques são contra? Emergiu ao longo dos últimos anos, em paralelo a atual administração federal, o ressurgimento de uma corrente teórica (sic) que predominou no país ao longo das décadas de 50, 60 e há quem diga 70. Foi o pano de fundo para os governos desenvolvimentistas que pregavam intensa intervenção do Estado na economia, seja lá qual a forma de financiamento. É essa corrente que parece dar alguma sustentação teórica a atual administração, em uma espécie de "síntese estruturalista-keynesiana", se me permitirem o ecletismo. Está representada pelos proeminentes Bresser Pereira, Delfim Neto e Gonzaga Belluzo, ainda que estes dois últimos vez ou outra rejeitem o rótulo.
O novo-desenvolvimentismo prega "crescimento com estabilidade", algo estranho aos seus precursores de quarenta anos atrás. Para estes, inflação estável era qualquer coisa menor ou igual a 15% ao ano. O entendimento dos novos sobre o que seria estabilidade macroeconômica é algo solto, maleável, porcamente definido. A estabilidade de preços nem se fala. O crescimento parece uma necessidade fisiológica, anterior a qualquer outro objetivo. Alcançado, todo o resto se alcança, como melhor distribuição de renda, aumento da classe média, mais consumo etc.
Um exemplo, que foi adotado na época do velho-desenvolvimentismo e também hoje, é o massivo incentivo ao carro como meio de transporte. Lá e cá, a indústria é vista por essa corrente como o único setor da economia capaz de agregar valor, aumentando a produtividade e gerando maior crescimento, dadas as dotações do país. E dentro do setor industrial, a produção de veículos é vista como aquela que gera maiores inputs e outputs, isto é, aquele que mais compra insumos e mais gera negócios quando da produção e venda do produto final. Não por outro motivo, o mapa da mobilidade urbana brasileira sofreu profunda mudança.
A frota de veículos no país era de pouco mais de 23 milhões em janeiro de 2003, passando para quase 44 milhões em abril desse ano. Um aumento de 88%. Considerando a relação per capita, o número de habitantes por veículo era de quase 8 em 2002, passando para quase 5 em 2013. Esse aumento da frota, claro, está intimamente relacionado com o aumento da produção de veículos. No início de 2003 o país produzia algo em torno de 120.000 veículos por mês. Já em 2013, esse número passou para mais de 250.000. O gráfico abaixo mostra a evolução da produção mensal.
Salvo o o imenso vale no último trimestre de 2008, causado pela crise norte-americana, a produção de automóveis mostra-se em ascenção contínua, representada pela linha de tendência. Os dados de produção da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) são corroborados pela produção industrial de veículos, pesquisa divulgada pelo IBGE, como pode ser visto abaixo.
Há quem alegue que o aumento da produção de veículos está intimamente ligado ao aumento da massa salarial e do crédito e, portanto, seria uma boa notícia. Talvez essas pessoas não se deram ao trabalho de visitar as principais cidades do país: elas estão todas, eu disse todas, congestionadas. O transporte público está sucateado, não há uma malha ferroviária, metroviária ou hidroviária consistente no país. Apenas 13 regiões metropolitanas possuem serviço de metrô e em nenhuma delas, o serviço atende minimamente a população.
Podem alegar também que em tese são a favor do meio ambiente, são contra a produção massiva de carros, são a favor da estabilidade macroeconômica como pré-condição ao desenvolvimento etc. Mas todas as suas prescrições de política econômica são antagônicas a esses conceitos. Pregam o desenvolvimento da indústria, às custas dos demais setores da economia, com ajuste de "preços estratégicos" da economia, como juros e câmbio. Ignoram solenemente a teoria econômica, rendendo-se a voluntarismos. São estes teóricos que fizeram o Banco Central derrubar a taxa real de juros para menos de 2% e mantiveram o câmbio dentro de uma banda fixa entre 2 e 2,10 R$/US$ ao longo de 2012, ignorando as limitações do mercado de trabalho e a consequente pressão sobre os preços. Para estes senhores a nossa inflação é uma mera manifestação de custos irremediáveis, problemas inerciais, institucionais e toda a sorte de causas e diagnósticos folclóricos que a mente humana seja capaz de oferecer. São estes economistas que estão destruindo qualquer possiblidade do país voltar a ter crescimento sustentável.
Em um momento onde o transporte individual é visto com descrença ao redor do mundo, nos últimos 10 anos nosso país não apenas incentivou esse modal, como o subsidiou via renúncia fiscal. O resultado? Bom, como dito, não precisa ser especialista em mobilidade urbana para perceber: basta visitar São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza, Recife e até mesmo Brasília! Todas as grandes cidades do país estão congestionadas. E isso, leitor, é o resultado mais visível, mais paupável de uma estratégia errada de desenvolvimento. É o resultado do retrocesso teórico. Um claro e inequívoco erro de julgamento da atual administração federal.