Toda pessoa que tem gosto por acompanhar os desenlaces da política e os números da economia já ficou desiludida ao menos uma vez em vida. Já gritou aos quatro cantos que “nunca mais” se preocuparia com tais temas áridos. Já deu de ombros e ousou cuidar da própria vida. Seguiu acompanhando e tratando de seus próprios problemas políticos, com a família e amigos, e de seus próprios problemas econômicos, na tragédia diária do orçamento doméstico.
Não sou, portanto, o único que me desiludi. Escrevo sobre tais temas desde muito cedo, quando a ignorância sobre um e outro assunto nunca me impediu de dar meus pitacos. Mantive durante mais de meia década um blog ativo na internet, com posts diários sobre dados da economia e fatos da política. Sobre aqueles tecia comentários inocentes e até mesmo opacos, mais com a esperança de me aprofundar na arte que escolhi para lutar do que qualquer outra motivação escondida. Já sobre estes manifestava a revolta que paira em qualquer cidadão de bem ao ver seu suor sendo desviado para a fortuna pessoal de alguns mequetrefes.
Resolvi “dar de ombros” mais ou menos no meio do ano passado, quando a vitória do poste já era apontada como certa pelos principais institutos de pesquisa. Desativei o blog, cancelei a assinatura do diário econômico e parei de atualizar as planilhas com dados de conjuntura. Não foi, garanto que não, nada pensado, mas sim um comportamento revolto, fruto das circunstâncias conjunturais. Para mim, justificava dizendo: “se mais de 80% da população aprovam o governo deles, quem estará contra eles?”. Parecia, portanto, disposto a não ver o barco afundar e pulei antes que tudo desandasse.
Poderia haver momento melhor? Afinal, deixei o barco quando a economia crescia em termos anualizados na casa dos 11 ou 12%, o país se preparava para eleger a primeira presidente mulher e, tudo o mais constante, as portas do primeiro mundo nos eram abertas pelos detentores das chaves. Já não caberia a mim, pensava, julgar o que é certo, errado, ético ou moral. Com ou sem isso, o fato era que o Brasil estava pronto para decolar. Não é mesmo, leitor?
Ri de mim mesmo, confesso. A História dos povos com a economia de mercado insiste em produzir casos e mais casos de estupendos fracassos. Nosso país insiste a todo o tempo em não querer enfrentar seus problemas. Joga para debaixo do tapete suas vergonhas. Gasta mal e em setores pouco promissores. O pré-sal, por exemplo, nossa herança bondosa por termos nascido em “berço esplendido”, é fatiado por uns cinco ou seis setores distintos. “Todos prioritários!”, dizem seus defensores. Mas quando tudo é prioridade, nada consegue ser prioritário, não é mesmo leitor amigo?
E a educação, como fica? “Precisamos de mais recursos”, gritam os sindicatos. Cada vez mais recursos, sempre mais dinheiro para melhorar a educação do país. Nada falam, por exemplo, sobre a reforma curricular dos cursos de licenciatura ou sobre o aumento das horas de estágio-docência. Afinal, nossos professores, aqueles responsáveis por tornar nossa educação básica de primeiro mundo, são todos bem formados, não é mesmo? Tudo certo nesse campo, o que falta é apenas “valorizar o professor”. Aumentos. Apenas aumentos.
Mas às vezes apontar essas e tantas outras coisas erradas se torna mais um exercício de pregação religiosa do que propriamente um trabalho respeitado. Os que me criticavam ou usavam argumentos torpes, validados que eram apenas pelo coro das massas, ou simplesmente alegavam algum tipo de solução estadista ao estilo Chávez. Um desses “críticos”, inclusive, foi meu colega de faculdade e anonimamente fazia comentários nada agradáveis e sem um mínimo de consistência teórica em meu blog (vitorwilher.com), deixando ao largo, portanto, qualquer senso do ridículo. Foram poucos, muito poucos, os críticos que teciam comentários com algum embasamento mais sofisticado e que pudesse levar a um debate proveitoso. O tempo, portanto, era mesmo para “dar de ombros” e cuidar dos próprios interesses.
No campo das letras troquei a aridez da política e os dados da economia pela crônica leve e despretensiosa. Somei ao estoque de poemas psicológicos, uma estréia promissora no romance urbano e nos contos sentimentais. Em todos eles, nada de Dilma, Lula, Palocci, Dirceu ou Genuíno. Apenas personagens sem antecedentes políticos. Nenhum deles com gosto pela Esplanada dos Ministérios, apenas pelos bares às margens do lago sul, ao som revigorante do rock da capital do país.
Na vida em geral, segui com novos e velhos projetos. Um pequeno sabático no final do ano e minha determinação em trocar os mensaleiros por outras personagens era ainda mais latente. Tudo, enfim, me era mais leve. Os comentários raivosos no blog davam lugar a elogios às crônicas, às poesias, aos contos e romances. Nada de redes sociais ou qualquer contato virtual. Apenas a troca real de calor humano. Estava eu mais perto desse reino encantado chamado felicidade?
Foi ai, envolto nesse mar de rosas, que soube da desgraça que me afetava: não consigo deixar de me envolver na aridez de certos temas. Estes mesmos que o leitor pensou. A cada mesa de bar, a cada encontro casual (real ou virtual) com antigos e fiéis leitores do blog, lá estava eu sendo questionado sobre algum assunto político e/ou econômico. Minha intenção inicial era dizer “que parei com essa vida”, ou que “estou há cento e poucos dias sem dar pitacos sobre política e/ou economia”. Confessava, portanto, minha abstinência. Mas cadê que ouviam?
“Anda, vai, pára de palhaçada!”, era o que diziam. Riam de mim, por tentar parar com essa vida desgraçada de analista de fatos nada incautos. Até ai tudo bem, se me dessem um pouco de boa vontade e persistência. O problema é que para mim, seguir a profissão reinventada por Kalecki e Keynes é quase que um vício transformado em fé. Isto porque todo aquele que lida com a aridez dos dados macroeconômicos e, que portanto, é obrigado a acompanhar os fatos políticos, tem de ser um pouco esquizofrênico para não “dar de ombros” e ir cuidar das próprias preocupações. A fé é quase que conseqüência imediata desse comportamento heterodoxo – e aqui não faço nenhum trocadilho.
Estou, portanto, de volta. A verdade é que nunca deixei de acompanhar a conjuntura, dadas as minhas atividades profissionais. O fiz apenas de forma menos obsessiva. Deixei que os dados repousassem um pouco antes de tecer qualquer comentário mais prolífico. Tentei trabalhos de fôlego mais longo, ousei a maratona ao invés dos cem metros. Hoje estou certo de que todos nós, os que se envolvem com “essas coisas”, devem tentar ao menos uma vez na vida distanciar-se. Se não completamente, de forma parcial. Melhora-se a qualidade de vida e ganha-se perspectiva sobre o que de fato mudou nos últimos anos.
Sobre a política pretendo escrever menos do que sobre a macroeconomia. Aquela somente quando for imprescindível e necessária à melhoria desta. Ou seja, quase sempre. Mas não ria, leitor, pois tudo o mais constante, vejo que podemos ter um país melhor. E isso, apesar dos doze anos petistas. É nisso que me concentrarei nos próximos posts (publicados em meu site, vitorwilher.com), artigos e demais trabalhos econômicos.