Um debate, para ser produtivo, deve cumprir, ao menos, os seguintes requisitos: i) que todos os envolvidos entendam as limitações do método que defendem; ii) que todos os envolvidos entendam o método que defendem; iii) que todos os envolvidos conheçam o(s) outro(s) lado(s) do debate; iv) que todos os envolvidos entendam que sim, há sempre alguma ideologia envolvida; v) que todos os envolvidos não levem para o pessoal as críticas que eventualmente recebam. Posto assim, acredito que há muito proveito a se tirar de debates entre correntes diametralmente opostas. O que me irrita, nesse sentido, na verdade, o que tem me irritado nos últimos tempos é que parece que o outro lado do debate não parece cumprir alguns desses requisitos.
A começar da conversa, sim, sou liberal, em termos políticos, e neoclássico, em termos econômicos. Fiz o "pacto com mefistófeles", para ficar na crítica raza de todos os dias. E tem me irritado porque a todos os esquerdistas que tenho dialogado ultimamente, mostram-se inequivocamente ignorantes sobre, principalmente, os itens iii, iv e v. Alguns, piores, também não cumprem os dois primeiros requisitos. Mas estes, deixo passar. O que me irrita, o que tem me irritado realmente, nos últimos tempos é o sujeito entrar no debate sem cumprir o item iii. Explico o porquê.
Ao longo da minha vida acadêmica tive o cuidado de sempre conhecer todos os lados do debate. Fiz cursos sérios de metodologia, que envolviam conhecer as três correntes principais do pensamento econômico: o método dialético, o histórico-dedutivo e o lógico-dedutivo. Ademais, fiz cursos sérios de teoria econômica: as alternativas e as mainstream. Li os clássicos, os neoclássicos, os schumpeterianos, os keynesianos, os monetaristas etc. Após tudo isso, sentei, refleti e, sim, escolhi um lado. Por que não, pergunto.
Há ideologia, por definição. Sendo o homem parte do objeto que estuda, por definição, há ideologia envolvida. Mesmo que o outro lado só reconheça ideologia no lado que se opõe: nunca no dele. A ideologia apropriada da forma que vemos serve mesmo para auto-defesa: nunca para se esquivar das críticas. Se quero um mundo onde o Estado seja menor ou maior? Pouco me importa: quero um Estado que funcione. Bobagem confundir ideologia com essa questão menor entre mais ou menos Estado.
Ideologia é a apropriação do mundo a partir dos juízos de valor que se faz. Sim, apesar de todos nós tentarmos via ciência, nos desfazermos de nossos preconceitos, de nossas limitações, na busca da verdade, sabemos, a priori, que a verdade é inalcançável. No máximo, tornamos nosso argumento melhor falseável, a bem dizer que nem o empírico pode provar qualquer coisa sobre a verdade dos fatos. Verdade, desse modo, é impossível, de modo que o item i do pressuposto pode ser um ato de humildade, mas não: é um pré-requisito mesmo, na hora de tentar encontrar respostas para nossas dúvidas. Sugerir: nunca concluir nada, é o que o cientista aprende desde cedo.
Conhecer o outro lado, nesse aspecto, contribui para reforçar nossas convicções sobre a limitação da ciência. Há ideologias, opiniões, divergências implícitas. O homem que se predispõe a entender o mundo tem de saber que nada pode ser provado por completo: absolutamente nada. Tudo o que há entre você e o objeto é apenas trabalho duro e muita retórica. O pesquisador pode se concentrar em um ou outro caminho. Os que preferem aquelem são cientistas, os que preferem estes são panfletários: simples como dois mais dois formam quatro.
E aqui, atento-me ao título. Em todos esses cursos sérios, no esforço diário de leitura séria, nos clássicos que já li, tive o cuidado de conhecer todos os lados. Pergunto: por que o outro lado não teve esse mesmo cuidado? Eles nos chamam, afinal, de anacrônicos, descompromissados com a classe trabalhadora, ridicularizam nossos esforços, mas tão pouco compreendem as premissas de nossos pensamentos. Será que valeu a pena se esforçar tanto para entendê-los? Será, leitor, que valeu mesmo a pena tentar entender seus argumentos e sua teoria?
Sim, valeu. Eu ao menos me tornei liberal e neoclássico após ouvir todas as correntes. Reconheço a ideologia presente na teoria ao qual quero contribuir. Reconheço as limitações do método ao qual mais me identifico. Entendo os outros métodos, as outras teorias. Aprecio muitos professores e especialistas do outro lado. E eles, será que fazem o mesmo?
Tenho minhas dúvidas, leitor.