Endogenização da taxa de câmbio e diferencial de juros

O Banco Central voltou a subir juros em meio a choques sobre a inflação. O aumento de juros tem como objetivo, a princípio, afetar o hiato do produto (via Curva IS), tomando a sua diferença em relação ao juro de equilíbrio. A maior ociosidade afeta os preços via Curva de Phillips, o que conclui o objetivo inicial da política monetária.

A despeito do processo acima parecer simples, ele não é, posto que está sujeito à incerteza e, ainda, à defasagens. Tanto não é imediato o efeito do juro sobre o hiato quanto não é do hiato sobre a inflação. Há muita estória por detrás das cortinas que não é o foco desse Comentário de Conjuntura.

Nosso foco aqui é uma espécie de corolário do processo de aumento de juros.

Isto porque, quando o Banco Central começa a subir juros, isso vai ter impacto na diferença entre o juro doméstico e o internacional, geralmente representado pelo juro norte-americano. Em tese, quanto maior essa diferença, maior será a apreciação cambial. Mais apreciação cambial implica em menos pressão para a inflação. Ao menos, para os bens tradeables.

O diferencial de juros aprecia a moeda doméstica porque atrai grana de estrangeiros dispostos a correr o risco de vir a esse país desorganizado chamado Brasil.

A estória que contei acima é muito boa e até que faz sentido. Mas você acreditaria nela?

Bom, eu não sou economista, apesar do bacharelado/mestrado, mas se fosse, digo, se fosse, eu não acreditaria.

Narrativas podem ser desmentidas ao sabor do vento, posto que prefiro meus modelinhos. 

Então, antes de contar essa estória aí em cima, eu rodei alguns modelinhos e também li alguma teoria.

A teoria por trás dos modelinhos, certo?

Blz. A ideia aqui é basicamente endogenizar a taxa de câmbio e construir um modelinho que consiga explicar sua trajetória ao longo do tempo. A equação vem de um box do Relatório Trimestral de Inflação do Banco Central e pode ser descrita como segue:

(1)   \begin{equation*} \Delta e_t = \gamma_1 \Delta e_{t-1} - \alpha_1 \Delta (selic_t - FFunds_t) + \beta_1 \Delta Risco_t + (1 - \gamma_1) (\pi_t - \pi_t^{f}) + \varepsilon_t \end{equation*}

onde:

e_t é a taxa de câmbio;

selic_t é a taxa básica de juros do Br;

FFunds_t é a taxa básica de juros do US;

Risco_t é uma medida de risco;

\pi_t é a inflação do Br;

\pi_t^{f} é a inflação do US.

Sobre a equação acima, por suposto, aplicamos a restrição de que \Delta e_t = (\pi_t - \pi_t^{f}), isto é, a variação do câmbio nominal, no equilíbrio, deve ser igual ao diferencial de inflação.

Uma vez que tenhamos a nossa equação e a nossa restrição, podemos colocar a mão na massa. Antes de mais nada, carregamos alguns pacotes.


library(tidyverse)
library(ecoseries)
library(rbcb)
library(quantmod)
library(timetk)
library(tstools)
library(lubridate)
library(dynlm)
library(restriktor)
library(stargazer)
library(broom)

E depois vamos à Selva coletar os dados...


## Pegar Selic, IPCA e Câmbio no Banco Central
series = list(selic = 4189, ipca = 433, cambio = 3698)
data = get_series(series) %>%
reduce(inner_join) %>%
mutate(inflacao_br_3m = acum_p(ipca,3))

## Pegar CPI US e FED Funds no FRED St. Louis
cpi_us = quantmod::getSymbols("CPIAUCSL", src='FRED')
cpi_us = timetk::tk_tbl(CPIAUCSL, preserve_index = TRUE, rename_index = "date") %>%
rename(cpi = CPIAUCSL) %>%
mutate(inflacao_us_3m = (cpi/lag(cpi,3)-1)*100)
fed_funds = quantmod::getSymbols("FEDFUNDS", src='FRED')
fed_funds = timetk::tk_tbl(FEDFUNDS, preserve_index = TRUE, rename_index = "date")

## Pegar EMBI no IPEADATA
premio_risco = series_ipeadata(40940, periodicity = 'D') %>%
reduce(inner_join) %>%
rename(date = data, embi = valor) %>%
group_by(date = floor_date(date, 'month')) %>%
summarise(embi = mean(embi))

Uma vez que os dados estejam disponíveis, nós podemos tratá-los e deixá-los em condições de estimar a equação que ilustra esse Comentário.

Para quem tiver interesse nessa parte do código, não se acanhe em conhecer o Clube AM. Todos os códigos de todos os Comentários estão disponíveis lá. Além de outras coisas...

A tabela abaixo ilustra os coeficientes do modelo com restrição.

Modelo com restrição
Estimate Std. Error t value Pr(> | t| )
dlcambio_l1 0.571 0.063 9.000 0
ddif_juros -0.538 0.312 -1.723 0.089
dlrisco 0.190 0.025 7.554 0
dif_inflacao 0.429 0.063 6.766 0

Como se vê, o coeficiente do diferencial de juros é negativo, o que implica em apreciação cambial quando o diferencial de juros aumenta. Igualzinho à narrativa que contei acima. O risco por seu turno é positivo, mais risco, mais depreciação cambial, assim como o diferencial de inflação.

A seguir, colocamos os coeficientes em um gráfico como abaixo. O mesmo gráfico feito em um exercício no hoje extinto Clube do Código sobre repasse cambial, de autoria do Renato Lerípio.

Como se pode ver, há bastante incerteza em relação ao tamanho do coeficiente do diferencial de juros, considerando um IC de 90%.

Para além disso, talvez o mais interessante da macroeconomia seja a interdependência entre as variáveis do sistema, de sorte que o banqueiro central - nesse caso - deva tomar o máximo de cuidado para não acertar o que não viu...
_______________________________

Compartilhe esse artigo

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Email
Print

Comente o que achou desse artigo

Outros artigos relacionados

Estamos em pleno emprego no mercado de trabalho?

Este artigo investiga se o mercado de trabalho brasileiro atingiu o nível de pleno emprego, utilizando uma estimativa da NAIRU (Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment) baseada na metodologia de Ball e Mankiw (1997). Através de uma modelagem em Python que unifica dados históricos da PME e PNAD Contínua com as expectativas do Boletim Focus, comparamos a taxa de desocupação corrente com a taxa neutra estrutural. A análise visual e quantitativa sugere o fechamento do hiato de desemprego, sinalizando potenciais pressões inflacionárias. O texto detalha o tratamento de dados, a aplicação do Filtro Hodrick-Prescott e discute as vantagens e limitações da metodologia econométrica adotada.

Como se comportou a Taxa de Participação no Brasil nos últimos anos? Uma Análise com a Linguagem R

O objetivo deste estudo é analisar a evolução da Taxa de Participação no Brasil, contrastando-a com a Taxa de Desocupação e decompondo suas variações para entender os vetores (populacionais e de força de trabalho) que influenciam o comportamento atual do mercado de trabalho. Para isso, utilizamos a linguagem R em todo o processo, desde a coleta e o tratamento das informações até a visualização dos resultados, empregando os principais pacotes disponíveis no ecossistema da linguagem.

Como se comportou a inflação de serviços no Brasil nos últimos anos?

Uma análise econométrica da inflação de serviços no Brasil comparando os cenários de 2014 e 2025. Utilizando uma Curva de Phillips própria e estimativas da NAIRU via filtro HP, investigamos se o atual desemprego nas mínimas históricas repete os riscos do passado. Entenda como as expectativas de inflação e o hiato do desemprego explicam o comportamento mais benigno dos preços atuais em relação à década anterior.

Boletim AM

Receba diretamente em seu e-mail gratuitamente nossas promoções especiais e conteúdos exclusivos sobre Análise de Dados!

Boletim AM

Receba diretamente em seu e-mail gratuitamente nossas promoções especiais e conteúdos exclusivos sobre Análise de Dados!

como podemos ajudar?

Preencha os seus dados abaixo e fale conosco no WhatsApp

Boletim AM

Preencha o formulário abaixo para receber nossos boletins semanais diretamente em seu e-mail.