Discutindo as “vacas sagradas” da infraestrutura no Brasil: o TCU e a eficiência de concessões de rodovias - Parte 2 - Análise

No presente artigo será demonstrado como utilizar o R para estudar a eficiência dos contratos de concessão e iniciar a discussão acerca das questões postas pelo TCU (Tribunal de Contas da União). Relembrando, o TCU, a partir dos chamados “índices de inexecução contratual” dos contratos da 1ª e 2ª Etapa de Concessões de rodovias federais, concluiu que tais concessões são ineficientes.
O primeiro ponto a ser questionado em relação à conclusão do TCU é justamente a ausência de definição do que seria a eficiência das empresas concessionárias de rodovias, afinal só se se pode medir e avaliar o que é previamente definido.
De uma perspectiva microeconômica, o desempenho de uma empresa é reflexo da sua habilidade em escolher os melhores meios (alternativas) para atingir seus objetivos (preferências) (BOGETOFT E OTTO, 2011). As alternativas disponíveis com a tecnologia pode ser ilustrada por meio da isoquanta curva (Figura 1). Por definição, a isoquanta de saídas mostra as maiores saídas possíveis para determinadas entradas. As preferências são indicadas pela função de utilidade U(.), a qual é representada por curvas de indiferença lineares. As curvas de indiferença mostram as combinações de saídas que são igualmente boas.

Isoquanta

Figura 1 – Isoquanta de saídas.

A avaliação racional ideal de desempenho, compara o real nível de utilidade atingido ao nível máximo de utilidade que poderia ser atingido. Para a firma A, a utilidade U(A) seria comparada à utilidade U(ideal). Isto capturaria a efetividade da firma A. Para este caso, portanto, ao contrário do que ocorre no mundo real, foi possível calcular a efetividade por existir uma função objetivo e então explicitamente calcular a efetividade. Por outro lado, quando não é possível fazer isso, é necessário utilizar alguma proxy, então fala-se em eficiência.
Bogetoft e Otto (2011) explicam que o benchmarking é uma tentativa de aproximar a ideia econômica da avaliação racional ideal. É necessário coletar dados para descrever o comportamento real e estimar uma aproximação do relacionamento ideal entre entradas e saídas para, a partir daí, comparar o desempenho real com o desempenho ideal e avaliar a eficiência. A avaliação de desempenho e análises de eficiência estão relacionadas a tais atividades. Benchmarking é, assim, uma forma de superar os problemas práticos narrados mudando da efetividade para a eficiência relativa.

Portanto, existe uma metodologia que pode ser utilizada para objetivamente medir a eficiência de concessões rodoviárias, relacionando as diveras variáveis consideradas relevantes, tanto para usuários quanto para o regulador do serviço de exploração da infraestrutura rodoviária.
O R possui o pacote denominado Benchmarking, o qual impĺementa dois métodos tradicionais de Benchmarking, quais sejam o Data Envelopment Analysis (DEA) e o Stochastic Frontier Analysis.
No presente artigo será demonstrado como utilizar o DEA para avaliar a eficiência dos 14 contratos de concessão de rodovias federais (1ª e 2ª Etapas de Concessão), usando dados do período de 2011 a 2014. Portanto, para a análise, se conta com 56 observações, pois o desempenho de uma concessionária em determinado ano é tratado como se fosse o desempenho de uma empresa distinta.
A DEA recebeu tal nome porque envolve na forma de “envelope” um conjunto de observações (DMUs – Decision Making Units) com o intuito de estabelecer uma “fronteira” que é utilizada para avaliar observações representando a eficiência de todos os sujeitos avaliados (COOPER et. al., 2006). Como resultado das diversas iterações do método, obtém-se uma fronteira eficiente, uma superfície sobre a qual todas as DMUs são consideradas pareto-eficientes e, quanto mais distante desta superfície menos eficiente é a unidade avaliada (MEDEIROS, 2014).
A análise de eficiência parte da escolha de variáveis de entrada (input), as quais serão minimizadas mantendo o nível de saídas constante (caso a análise pressuponha retornos constantes de escala). Assim, para responder de forma objetiva as questões postas pelo TCU, as variáveis de input são o número total de acidentes nas rodovias analisadas (ACID) e o índice de inexecução (INEXEC), pois se está buscando medir a eficiência das concessionárias ao longo do tempo em termos de minimização do número total de acidentes e do índice de inexecuções. Aqui vale uma ressalva: o índice de inexecuções não leva em consideração quem deu causa ao não cumprimento de determinado cronograma de obra, ou seja, pode tanto ser culpa da empresa concessionária quanto culpa dos órgãos responsáveis pela emissão das licenças ambientais, por exemplo.
As variáveis de saída (output), por sua vez, podem ser selecionadas a partir das Demonstrações Econômico-Financeiras Auditadas, bem como dos Relatórios Técnico-Operacionais-Físico-Financeiros das rodovias federais concedidas, disponíveis no sítio oficial da Agência Nacional de Transportes Terrestres:

  • arrecadação tarifária total nas praças de pedágio (ARREC);
  • os custos totais com a operação da concessão (OPEX) – inclui gastos com administração central, conservação, manutenção, operação e monitoração da rodovia;
  • os valores em termos de investimentos (CAPEX) - incluindo obras de restauração, de recuperação, de melhorias e de ampliação e adequação da capacidade da rodovia.

E para tornar a análise de eficiência mais interessante, pode-se incluir como output a avaliação da Confederação Nacional do Transporte (CNT) sobre a qualidade da malha concedida em termos de pavimentação, geometria e sinalização (NOTA). O indicador varia de 1 a 5, de acordo com a avaliação geral do estado da rodovia: um (1) para indicar péssimo estado, dois (2) para ruim, três (3) sinaliza para estado regular, quatro (4) refere-se a um bom estado e cinco (5) indica ótimo estado.

CNT2015-Conc

Figura 2 - Resultado da avaliação da CNT em rodovias concedidas.

Tendo sido definidos inputs e outputs, passa-se ao R.O primeiro passo óbvio é instalar o pacote Benchmarking.

  install.packages("Benchmarking")

Em seguida, lê-se os dados a partir de um arquivo, indica-se quais são os inputs e outputs e, posteriormente, utiliza-se a função "dea" para cálculo da eficiência.
Embora várias formas da fronteira possam ser determinadas, existem dois modelos que são considerados clássicos: o CCR (ou CRS - retornos constantes de escala) e o BCC (ou VRS - retornos variáveis de escala). Como pode ser verificado no código abaixo, parte-se da premissa de que os retornos de escala são constantes nos contratos de concessões rodoviárias. Também é utilizada a análise orientada a inputs, uma vez que se quer minimizar o número de acidentes (ACID) e índice de inexecuções (INEXEC).

  # carrega dados do arquivo de entrada
  data <- read.csv2('input-DEA.csv', header=T, sep=";", dec=",")
  
  # facilita a busca dos elementos das colunas do DataFrame "data"
  attach(data)
  
  ## Inputs -  ACID, INEXEC/ Outputs - OPEX, ARREC, CAPEX, NOTA
  input1 <- cbind( t( ACID.2011), t( ACID.2012),t( ACID.2013), t( ACID.2014))
  input2 <- cbind( t( INEXEC.2011), t( INEXEC.2012),t( INEXEC.2013), t( INEXEC.2014))
  
  output1 <- cbind( t( ARREC.2011),t( ARREC.2012),t( ARREC.2013),t( ARREC.2014))
  output2 <- cbind( t( CAPEX.2011),t( CAPEX.2012),t( CAPEX.2013),t( CAPEX.2014))
  output3 <- cbind( t( NOTA.2011),t( NOTA.2012),t( NOTA.2013),t( NOTA.2014))
  output4 <- cbind(t( OPEX.2011),t( OPEX.2012), t( OPEX.2013),t( OPEX.2014))
  
  # matriz de inputs
  x <- t(rbind(input1, input2))
  
  #matriz de outputs
  y <- t(rbind(output1, output2, output3, output4))
  
  ## calcula a eficiência por meio do DEA-CRS orientado a inputs
  eff_road <- dea(x,y, RTS="crs", ORIENTATION="in") 
  
  ## acessa os valores de eficiência no objeto do tipo list "eff_road"
  eff_road <- eff_road$eff
  
  ## permite a visualização da fronteira de eficiência  
  dea.plot(x,y,main= "Fronteira de Eficiência", xlab = "inputs", ylab = "outputs")

fronteiraModelo5

Figura 3 - Fronteira de Eficiência.

Para se ter uma ideia geral dos resultados é possível utilizar o comando "summary", para verificar a média, a mediana, os extremos e os quartis das observações.

  ## imprime na tela as estatísticas dos valores de eficiência
  summary(eff_road)

O resultado é:

Min. 1st Qu. Median Mean 3rd Qu. Max.
0.1603 0.3333 0.6171 0.6122 0.8883 1.0000

Quanto mais próximo de 1.0 for o resultado, mais eficiente é a empresa.

Para melhor visualizar o comportamento das diversas DMUs, utiliza-se um histograma:

  ## histograma dos valores de eficiência
  hist(eff_road, main = "Histograma dos valores de eficiência com DEA",
       xlab = "Eficiência", ylab = "Frequência", col = "blue")

HistogramaModelo5

Figura 4 - Histograma dos resultados de eficiência.

Por meio dos resultados acima obtidos, fica claro que uma afirmação no sentido de que há uma perda generalizada de eficiência nas rodovias federais sob concessão, no mínimo carece de precisão. Na verdade, verifica-se que tanto a média quanto a mediana das observações estão acima de 60%, que pode ser considerado um bom resultado. Ademais, o histograma demonstra uma maior quantidade de DMUs com valor de eficiência entre 80% e 100%.
Por outro lado, não pode ser descartada pela agência reguladora uma melhor avaliação do que ocorreu efetivamente com aquelas DMUs (determinada concessionária, em determinado ano) que apresentaram uma baixa eficiência, e se foram aplicadas todas as sanções cabíveis (multas e outras punições).
Por fim, vale ressaltar que a análise apresentada pode e deve ser aprofundada. Contudo, é suficiente para demonstrar que não devem existir "vacas sagradas", e é necessário questionar os órgãos de controle e exigir que utilizem métodos adequados para melhor fundamentar as suas ações de controle, bem como o que divulgam na imprensa, uma vez que estes possuem enorme responsabilidade no âmbito da Administração Pública e gozam de credibilidade junto aos mais diversos setores da sociedade. Afinal, quem fiscaliza o fiscal?

Referências:

BOGETOFT, P.; OTTO, L. Benchmarking with DEA, SFA, and R, Springer International Series, 2011.

COOPER, W. W.; SEIFORD, L. M.; TONE, K. Introduction to Data Envelopment Analysis and Its Uses: With DEA-Solver Software and References. Springer, 2006.

CNT - Confederação Nacional do Transporte. Pesquisa CNT de Rodovias 2015. 19ª Edição, 2015.

MEDEIROS, F. S. Eficiência em Concessões de Infraestrutura: Benchmarking, Price-cap e o Fator “x”. Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Engenharia de Produção, modalidade Acadêmica, na área de concentração em Sistemas de Transportes. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2014.

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