A cabeça de um economista heterodoxo

Diante do retumbante fracasso da Nova Matriz Econômica, o mínimo a esperar dos economistas heterodoxos brasileiros seria alguma inspeção dos motivos (autocrítica, talvez) pelos quais ela não deu certo, não é mesmo? Não apenas ainda não vi nenhum economista heterodoxo fazê-lo, como simplesmente eles agem como se nada tivessem a ver com a nova matriz. Veja, por exemplo, o economista Luiz Fernando de Paula, atualmente presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB). No início de 2013, ele escreveu que "(...) Nesse particular, destaca-se o fato de que as políticas anticíclicas adotadas para enfrentar a crise financeira de 2008 foi (sic) um keynesianismo pragmático de ocasião, retornando na sequência a uma política econômica de feição mais ortodoxa. Com o governo Dilma houve uma mudança importante na busca de um novo "equilíbrio" em variáveis chaves da economia (juros e câmbio)" (grifo nosso). Ontem, em artigo para o Valor Econômico, a coisa mudou de figura: "Sem dúvida (sic) um dos legados mais negativos da gestão Mantega/Augustin - ao implementar uma política fiscal expansionista equivocada através de desonerações fiscais, que acabaram resultando em enormes transferências de recursos para a indústria sem contrapartida na maior produção industrial - foi a perda da credibilidade do Tesouro para fazer políticas fiscais anticíclicas".

O que 10 em cada 10 economistas heterodoxos fazem nesse momento é criticar a forma como o governo Dilma Rousseff implementou o "novo equilíbrio". Na cabeça desses economistas, a política econômica expansionista dos anos Dilma não foi errada na sua essência, mas na forma que foi executada. Em outras palavras, o Banco Central deveria mesmo ter baixado os juros a partir de agosto de 2011, a política fiscal deveria mesmo ser expansionista e os bancos públicos deveriam mesmo ter expandido seus empréstimos. O problema? A forma como tudo isso foi feito, seja por causa das pedaladas fiscais, da contabilidade criativa ou por conta das "desonerações sem contrapartidas". Ainda não vi nenhum deles - caso tenha visto, por favor, coloque nos comentários - criticando o diagnóstico - ao invés da economia brasileira sofrer de insuficiência de demanda, o problema estaria no lado da oferta. Em outras palavras, continuam com a ideia fixa do princípio da demanda efetiva na cabeça.

Outro detalhe importante: você já viu algum economista heterodoxo preocupado com a inflação de dois dígitos? Eles a citam em seus artigos? Pelo que tenho lido, quando a citam tendem a reduzir essa taxa ao choque de preços administrados e ao câmbio desvalorizado. Nada falam sobre a redução forçada nos juros e sobre a tentativa de controlar preços administrados (energia elétrica e gasolina, principalmente), como responsáveis por essa inflação atual.

Como dizia James Thurber, cartunista norte-americano citado no livro Antologia da Maldade dos economistas Gustavo Franco e Fábio Giambiagi, "ao contrário do que se diz, pode-se enganar a muitos durante muito tempo". Que o digam os economistas heterodoxos brasileiros... 🙁

Os artigos do presidente da AKB podem ser lidos aqui e aqui.

Update: Dado que recebi alguns comentários raivosos, vou fazer um ps aqui para os que não querem entender o texto (o pior cego, afinal, é aquele que não quer ver). O entusiasmo de de Paula com a mudança em "preços estratégicos" nos idos de 2013 parece agora ter sido esquecido. Essa mudança para o "novo equilíbrio", que o presidente da AKB faz referência, afinal, é justamente a parte principal da nova matriz, vide o artigo do Mantega que faço referência logo no início desse post. A mudança (forçada) de preços relativos foi acompanhada por controle de preços (gasolina e energia, principalmente), dado que os pós-keynesianos acreditam em "mecanismos não monetários de controle da inflação" (vide texto do Sicsú a respeito). Afinal, se você não quer usar juros para controlar inflação, tem que eleger outra forma, não é mesmo? Lembro, inclusive, do próprio Nelson Barbosa fazendo a defesa dessa estratégia de controle de preços na Casa das Garças no final de 2013, como "opção de política econômica", paralelo à redução dos juros. De novo, de Paula e outros criticam apenas a forma como foi feito, mas não sua essência: ainda não entenderam que a mudança para o "novo equilíbrio" não tinha a menor chance de dar certo. Afinal, não dá para controlar variáveis endógenas. Cadê, portanto, a autocrítica por ter apoiado, de forma entusiasmada, essa mudança de preços relativos? Isso, claro, ninguém vai ver... Agora, escreve como se nada tivesse a ver com a nova matriz? Ademais, não basta criticar as desonerações, que foram, no máximo 2% do PIB. Por que não fala nada sobre os mais de 10% do PIB repassados para bancos públicos? Isso prejudicou o desempenho fiscal tanto em estoque quanto em fluxo, via aumento de subsídios. Mas não pode falar, não é mesmo? Vai contra a religião... É dose, viu, ter que aturar esse tipo de coisa... 🙁

dominoeffect

Compartilhe esse artigo

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Email
Print

Comente o que achou desse artigo

Outros artigos relacionados

Como analisar o sentimento dos textos do COPOM no Python?

Neste exercício construímos um indicador que busca quantificar o sentimento proveniente das decisões de política monetária no Brasil. Usando técnicas de mineração de texto, implementamos todas as etapas necessárias, desde web scraping e pré-processamento das atas do Comitê de Política Monetária do Banco Central (COPOM), até a criação de tokens e a classificação do sentimento implícito nos textos.

Como importar os textos do COPOM para análise de sentimentos no Python?

Os textos divulgados pelo COPOM, sejam os comunicados ou atas, são o ponto de partida para diversos tipos de análises quantitativas, como a análise de sentimentos, e qualitativas, como uma análise de cenário econômico. Neste artigo, mostramos como coletar estes textos de forma automatizada usando web scrapping e Python.

Como tratar dados no Python? Parte 5: renomeando colunas

Como dar novos nomes significativos para as colunas em uma tabela de dados usando Python? Neste tutorial mostramos os métodos de renomeação de colunas disponíveis na biblioteca pandas, que tem como vantagem sua sintaxe simples e prática.

Boletim AM

Receba diretamente em seu e-mail gratuitamente nossas promoções especiais e conteúdos exclusivos sobre Análise de Dados!

Boletim AM

Receba diretamente em seu e-mail gratuitamente nossas promoções especiais e conteúdos exclusivos sobre Análise de Dados!

como podemos ajudar?

Preencha os seus dados abaixo e fale conosco no WhatsApp

Boletim AM

Preencha o formulário abaixo para receber nossos boletins semanais diretamente em seu e-mail.