Crescimento, câmbio, inflação e juros: o equilíbrio macroeconômico brasileiro.

O Comitê de Política Monetária (COPOM), responsável pelo futuro dos juros no país, se reunirá novamente nos próximos dias 14 e 15 de janeiro. Na pauta mais um aumento da Selic, a taxa básica de juros, que poderá ser de 50 ou 25 pontos-base, a depender de como o comitê vê o cenário externo, a resistência da inflação e das defasagens envolvidas no processo de transmissão das ações de política monetária. Sobre isso, tratarei amanhã, na Carta de Conjuntura do GECE. Hoje, entretanto, minha questão é um pouco mais ampla, dizendo respeito sobre o que nós economistas chamamos de equilíbrio macroeconômico.

O termo equilíbrio em economia é cercado de controvérsias, mesmo entre economistas neoclássicos, tidos como aqueles que mais se utilizam do recurso para pensar as trocas entre os agentes. Não entrarei nessa seara metodológica (para quem quiser uma luz, aqui). A questão que me interessa nesse momento é, por suposto, a interação entre algumas variáveis macroeconômicas, aquelas do título do post, o que podemos definir como equilíbrio macroeconômico. Por onde começar?

Não é difícil, mas deve-se prestar um pouco de atenção: o esforço será recompensado. Suponha uma pequena economia formada por pessoas ofertando trabalho, firmas demandando trabalho, um governo, um sistema financeiro e um baixo estoque de capital físico. Suponha ainda que essa pequena economia transacione com o resto do mundo, comprando bens e serviços e recebendo/enviando capitais.

Feito isto, imagine que essas pessoas, trabalhando nas firmas existentes, com um dado nível de máquinas e equipamentos, gerem um determinado nível de produto, o que chamamos habitualmente de Produto Interno Bruto (PIB). Como a economia é razoavelmente aberta, entenda que a esse PIB deve-se adicionar as importações do resto do mundo, bem como deve-se deduzir as exportações feitas. Esse produto, já descontado do contato com o resto do mundo, gera uma renda, que pode ser gasta na forma de consumo dos agentes ou na forma de consumo do governo ou pode ser investida na compra de novas máquinas e equipamentos. Observe que quanto maior for esse investimento, mais ampliada será a capacidade produtiva, ceteris paribus, maior será o PIB nos próximos períodos.  Ademais, parte da renda gerada que não é gasta, é poupada.

Suponha que esse país poupa menos do que investe, isto é, do que aloca em novas máquinas e equipamentos. Nesse caso, se poupa menos do que investe, deve fazer uso de poupança externa, isto é, deve se financiar junto ao resto do mundo: poupança externa positiva equivale a conta corrente negativa ou habitualmente chamado de déficit em conta corrente.

Pronto. Temos uma pequena economia de mercado em pleno funcionamento, que emprega pessoas e capital, que produz um determinado nível de PIB, que poupa menos do que investe. Sim, você está correto: esse é o Brasil. E aquelas variáveis macroeconômicas do título, como ficam? Passemos a elas.

Se a poupança é baixa, isto é, ela não cobre o investimento, temos déficit em conta corrente. Esse déficit deve ser financiado pela entrada de capitais interessados ou em investir no aumento da nossa capacidade produtiva, ou no nosso sistema financeiro. Seja como for, maior entrada de capital aumenta a oferta de moeda estrangeira, o que faz apreciar a taxa de câmbio - a relação de troca entre a nossa moeda e as demais moedas do resto do mundo. Mas não é apenas isso: como faz para atrair capital para cá?

Uma razão é quase automática. Como estamos lidando com uma economia com baixo estoque de capital físico, sua rentabilidade será elevada, se comparada a países com estoque de capital maior. Isso, claro, ceteris paribus. Uma outra razão é que, como a nossa poupança é menor do que o investimento, devemos manter uma taxa de juros mais elevada, visando equilibrar essas duas variáveis: afinal, se há menos recursos disponíveis do que projetos interessados, o preço desses recursos se eleva. Esse preço é chamado de taxa de juros. Uma taxa maior do que a taxa internacional também atrai capitais estrangeiros. Mais capital estrangeiro, maior oferta de moeda estrangeira, câmbio apreciado.

Tratamos de juros e de câmbio, mas e a inflação, isto é, o aumento contínuo, generalizado e assincrônico de preços? 

O nível geral de preços de uma economia se dá pela intersecção entre oferta e demanda agregadas. Tomando oferta e demanda em termos de taxa de crescimento ao longo do tempo, vale a máxima de que você deve manter a oferta crescendo de forma a dar conta do crescimento da demanda. Mas, você pode perguntar, se a demanda doméstica é formada por consumo e por investimento, como ela pode crescer mais do que a renda gerada pelo produto?

A resposta está na premissa: no sistema financeiro. A intermediação entre poupadores e devedores produz um descompasso no crescimento entre oferta e demanda. Suponha que a demanda doméstica, nesse caso, cresça mais do que a oferta. O que acontece com a inflação?

Precisamente, leitor: se a demanda doméstica cresce mais do que a oferta doméstica, duas coisas podem acontecer. A primeira é que as importações do resto do mundo aumentarão, salvo se houver restrições. A segunda é que os preços se elevarão. É esse o caso do Brasil.

A economia brasileira cresce pouco porque há pouca gente disponível para aumentar o produto pela via do trabalho, porque há pouco investimento em máquinas e equipamentos novos e porque a forma como usamos capital e trabalho é pouco produtiva. O mercado de trabalho está com baixa ociosidade, isto é, há poucas pessoas à disposição para que as firmas contratem. O investimento é baixo porque há muitos riscos em relação ao futuro. A produtividade é baixa porque as regras do jogo (as instituições) estão mal definidas.

O câmbio é apreciado porque, por razões institucionais, o brasileiro poupa pouco, fazendo com que o crescimento não gere uma poupança suficiente para financiar o investimento. Investimento menor do que poupança doméstica gera déficit em conta corrente, que deve ser financiado pela entrada de capitais, aumentando a oferta de moeda, apreciando a taxa de câmbio. Os juros são altos pelo mesmo motivo.

Eles devem ser altos, como instrumento de política monetária, para i) atrair capital estrangeiro e financiar o déficit em conta corrente; ii) para controlar a inflação, via resfriamento da demanda. Por arbitragem, as taxas de mais longo prazo também são elevadas, ainda que você possa listar outros fatores pelos quais essas taxas são tão descoladas da taxa básica, mas em termos do equilíbrio aqui analisado, o descolamento entre poupança e investimento parece responder nossa indagação.

E porque a inflação é alta? Porque há um descolamento entre crescimento da oferta e da demanda doméstica, provocado por um ambiente hostil a abertura de novos negócios. Restrições ao crescimento da oferta geram esse descolamento, produzindo um nível geral de preços mais elevado.

Em síntese, leitor, o equilíbrio macroeconômico brasileiro é de baixo crescimento, inflação alta, câmbio apreciado e juros elevados. Como mudar? Respondo na próxima semana.

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