A inflação está sob controle?

Sob controle. Absolutamente sob controle. Mais uma vez: sob controle. Sob controle. Nos últimos 11 anos dentro da meta. Do limite superior da meta. Na meta. Repetem o ministro da fazenda, o presidente do banco central e a presidente da república. Ensaiados. Com discurso único. Para não deixar dúvida a ninguém. Funcionou? 

Não, não funcionou. Ao contrário do que pensam as autoridades acima, os brasileiros não são trouxas. Afinal, é fácil perceber que a inflação está alta. E há bastante tempo. Basta que se vá ao supermercado, à feira, ao restaurante do final de semana. Os preços estão aumentando, no passar das semanas e dos meses. E continuarão se elevando à taxas nada confortáveis. É isso, ao menos, o que se infere quando olhamos as expectativas dos trouxas para o futuro. Na média mensal de setembro, um pouco mais de 100 instituições consultadas pelo Banco Central previa inflação nos próximos 12 meses em 6,27%. Para não ficar apenas nestes, tidos como abutres por esse ou aquele governo vizinho, perguntemos aos consumidores o quanto esperam de inflação para o futuro. Eles respondem 7,3%, na pesquisa da Fundação Getúlio Vargas. Malditos pessimistas, diriam alguns.

Para além das expectativas, como andam os indicadores de inflação? Nada bons, leitor, nada bons. A inflação acumulada em 12 meses medida pelo IPCA rompeu em setembro o teto da meta, acomodando-se em 6,75%. A quem culpar? O aumento sazonal de alimentos, como sugere o secretário Marcio Holland? Pois bem, medida pela média dos cinco núcleos de inflação disponíveis, que buscam captar justamente a tendência da inflação ao longo do tempo, a inflação permanece alta, em 6,76%.

A abertura por grupos do IPCA, o principal índice de inflação do país, indica que os alimentos, de fato, subiram muito: terminaram setembro com alta de 8,21% em 12 meses. Estes representam quase 25% dos gastos familiares. Nos últimos 45 meses o grupo alimentos acumula elevação de 33,32%. Nesse período a alta acumulada em 12 meses ficou em 9%, em média. Curiosamente o mesmo valor que aumentaram os salários nominais no período, indicando que qualquer ganho real dos salários teve de ser repartido com a inflação de alimentos.

Truques e malabarismos, é claro, contam na hora de tentar provar o enredo de que a inflação está sob controle. Um que tem chamado atenção é justamente o de retirar da conta os serviços e os alimentos em domicílio, que têm subido acima da média dos outros preços. O aumento dos serviços seria função da melhora da renda familiar nos últimos 10 anos e os alimentos, como mostrado acima, derivariam de problemas climáticos. Ora, como não se controla o clima e nem se quer que os pobres consumam menos, haveria virtude na inflação de quase 7%! Seria o cúmulo, não fosse estapafúrdio o argumento. Como já mostrado pelos núcleos, a inflação está alta. Mas apenas para tratar o problema dos "virtuosos": acaso retiremos esses dois "grupos" da inflação, ela ainda assim fica acima da meta, em 5,21% - vide o gráfico abaixo.

serviços

A última vez que a inflação repousou sobre a meta - que é de 4,5%, nunca se esqueça - foi em agosto de 2010. Desde lá, nunca mais a meta foi atingida, em nenhum dos quarenta e nove meses seguintes. A média da inflação permaneceu em 6,06%. Mesmo valor dos núcleos, diga-se, para não dizer que o problema é o clima ou qualquer outra desculpa esfarrapada que se queira dar. Estórias mal contadas, afinal, são assim mesmo: não resistem ao encontro dos dados. Mesmo com tratamento amigável e sem tortura, eles acabam confessando a desonestidade de quem deveria zelar pelo seu controle. A linha azul clara do gráfico acima, por exemplo, retira os "grupos" [inflação ex-serviços e alimentação no domicílio] que incomodam alguns na profissão: repare que desde o final do ano passado a linha cresce, sem maior preocupação com a trama que vai sendo contada por seus interlocutores. O que está por trás dessa aceleração?

Uma casa cheia de buracos no telhado exige muitos baldes. Há momentos, entretanto, que estes chegam ao fim, donde se espera que a casa se alague diante das infiltrações. Essa imagem reflete com algum resquício de crueldade, precisamente, a tentativa dos [atuais] economistas oficiais de controlar o fenômeno inflacionário - tão mal compreendido por eles, diga-se. Observa-se que, mesmo controlando pelo aumento dos serviços e da alimentação no domicílio, vemos o aumento da inflação também agora pelos preços administrados. Aqueles diretamente regulados pelo governo, como energia elétrica, por exemplo. Após o forte represamento do ano passado, quando terminaram no acumulado em 12 meses em 1,54%, estão agora, em setembro, em 5,32%. Logo, logo, encontram a taxa de crescimento dos preços livres, hoje em 7,17%.

E se o descontrole é generalizado, dada a estória contada pelos núcleos de inflação e mesmo nos últimos meses quando se retira serviços/alimentos, qual a raiz do problema? A vã tentativa de querer reduzir sob tortura os juros - sem combinar com os fundamentos da economia brasileira -, bem como a ampliação do crédito dos bancos públicos e a política fiscal expansionista, produziram os incentivos perfeitos para o desequilíbrio.

jurosreais

A defesa explícita e orgulhosa da queda à força dos juros [talve fosse o caso de pedir uma CPI da inflação], abaixo de qualquer medida de neutralidade, como pode ser visto no gráfico acima, é a semente do descolamento das expectativas e, claro, da inflação sem controle. Para 2018 os analistas esperam inflação em torno de 5,2%, enquanto o sempre otimista Banco Central aguarda 5% no segundo semestre de 2016.

A inflação, por qualquer medida que se faça, ou truque que se desfaça, não está sob controle no Brasil. Estaria se a política monetária não tivesse sido conduzida de forma política e arbitrária. Estaria se o crédito e os gastos públicos não tivessem sido conduzidos de forma irresponsável. Infelizmente, não é o caso e, por isso, a inflação segue alta. Provavelmente continuará alta pelos próximos anos, dada a necessária correção dos preços administrados, bem como o contágio de um câmbio que deve permanecer em franca desvalorização. Além é claro, pelo fato [óbvio] que não se engana muitos por muito tempo: os trouxas já entenderam que esse governo não tem o menor compromisso com o controle da inflação e, portanto, esperam mais inflação para o futuro.

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