A variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em julho, de apenas 0,03% em relação a junho, pode dar a impressão errada de que a inflação está sob controle. Para enfatizar a pontualidade do resultado, nada melhor do que expressar isso graficamente. Isso é feito ao lado. O gráfico pega cada mês de cada ano e agrega os mesmos: a série é do IPCA, de jan/1997 até julho/2013. A linha vermelha é a média da inflação (em termos de variação mensal), para cada mês. Os pontos em azul representam a inflação de 2013 naquele mês.
Fica fácil perceber com o gráfico duas coisas. A primeira é que o índice apresenta uma queda na variação mensal ao longo do primeiro semestre e uma relativa aceleração no segundo semestre. Esse comportamento se repete todos os anos. Ou seja, a desaceleração da variação mensal em 2013 (os pontos em azul) está de acordo com o comportamento da própria série, não sendo assim um resultado de maior controle do processo inflacionário.
O segundo aspecto que chama atenção é que o resultado do mês de julho desse ano está bem abaixo da média histórica de variações nesse mês. Isso é facilmente explicado se nós decompormos o índice nos nove grandes grupos: alimentação e bebidas, habitação, artigos de residência, vestuário, transportes, saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais, educação e comunicação. Feito isto, percebe-se que os grupos alimentação e bebidas e transportes deram uma grande contribuição negativa à variação do índice: -264% e -410%, respectivamente. Aqueles por causa da safra recorde de alimentos e estes por conta dos subsídios atrelados às tarifas públicas de transporte, motivados pelas manifestações de junho.
Em outros termos, leitor, o dado de julho é muito mais fruto da excepcionalidade do que propriamente da existência de controle sobre o processo inflacionário. Sobre esse último aspecto, é interessante perceber que as expectativas de inflação, uma espécie de guia para saber quanto será a inflação futura, permance teimosamente em 5,76% para 2013 e em 5,85% para 2014. Números bem distantes do centro da meta de inflação, que é de 4,5%. Se a inflação estivesse estabilizada, não seria o caso dos agentes esperarem que o centro fosse alcançado?
Ao que parece, o grupo Alimentos e Bebidas continuará dando alívio ao índice cheio, dados os efeitos da safra recorde desse ano. Mas isso significa queda da inflação para o centro da meta? Não enquanto as expectativas se situarem em patamar tão elevado. É justamente esse ponto que parece intrigar o governo e seus defensores: inflação controlada é resultado de credibilidade perante às ações da autoridade monetária. Se os agentes não confiam, eles provavelmente adotarão comportamentos defensivos frente à elevação de preços. Empresários tentarão repassar isso para os seus próprios preços enquanto que trabalhadores barganharão salários mais altos. O sucesso de suas demandas levará, necessariamente, à aceleração inflacionária.
É justamente por isso que não se pode dizer, longe disso, que a inflação brasileira está controlada. As expectativas dos agentes estão desancoradas já há algum tempo. O limite superior da meta de inflação tem sido recorrentemente utilizado como se ele fosse a própria meta de inflação. Isso, de forma alguma, é coerente com os preceitos estabelecidos pelo regime de metas de inflação. Os intervalos de tolerância servem tão somente para acomodar choques inesperados. À medida, porém, que esses choques geram efeitos secundários - a elevação de um preço é repassada para outros preços, afetando o núcleo da inflação - a autoridade monetária precisa fazer uso do instrumento de política monetária.
Ademais, sabe-se que o processo inflacionário brasileiro atual está intimamente relacionado ao descompasso que existe entre crescimento dos salários e da produtividade. Aquele crescendo acima dessa gerou um movimento concreto de aceleração dos preços. Os agentes, sabendo disso, têm esperado maior inflação futura. Não há mágica, nesse sentido. Se, portanto, há algum interesse em estabilizar os preços, será preciso convergir essas expectativas para algum lugar próximo aos 4,5%. Sem isso, é muito difícil falar em controle da inflação.
(*) O gráfico que ilustra esse post foi feito pelo economista Ricardo Lima, utilizando script do R.