Crédito e endividamento das famílias

Tem muita gente trabalhando nisso, leitor. Afinal, a relação Crédito/PIB passou de 23% em 2003 para quase 50% no período recente. Dentro desse bolo, o Crédito a Pessoas Físicas corresponde à quase metade (incluindo crédito habitacional). É claro que haveria de ter impacto no comprometimento da renda, como mostra o gráfico abaixo.

O comprometimento da renda mensal das famílias com serviço da dívida alcançou 22% em fevereiro último, enquanto o endividamento em relação à renda acumulada nos últimos 12 meses chega a 43%. Quanto maiores forem esses números, o leitor sabe, maior será a inadimplência. Além disso, o crescimento do endividamento mostra que incentivos à demanda possuem um limite estrutural. A pergunta, portanto, não é se ele será alcançado, mas quando, interrompendo o processo de crescimento econômico.

Se olharmos para as Contas Nacionais, verificaremos que enquanto a Indústria cresceu 3,4% no acumulado de 12 meses desde 2003, as Importações cresceram a uma média de 11,6%. Ao leitor apressado, não estou querendo falar aqui em desindustrialização. Minha questão é mais básica do que essa. Enquanto a renda e o crédito avançaram muito no período, gerando incentivos no lado da demanda, a Indústria não parece ter conseguido acompanhar esse ritmo, gerando maior demanda por Importados, visando complementar a Oferta de bens e serviços. Você pode culpar o câmbio, pode culpar os juros, mas não pode rejeitar a hipótese de que se existem incentivos do lado da demanda, deveriam vir acompanhados de ganhos de produtividade no lado da Oferta Doméstica. Sem isso, o aumento de renda e crédito aqui necessariamente levará a aumento de importações.

Sendo mais claro, o aumento do crédito não foi acompanhado por reformas estruturais que possibilitassem um aumento generalizado de produtividade da economia brasileira. Daí que aumento de crédito leva a maior comprometimento da renda com serviço da dívida, tal processo tem um limite. Quando chegar a esse limite, como continuaremos crescendo?

Este governo [e o anterior] tem insistido em políticas de incentivos à demanda, mas pouco [ou nada] foi feito em relação aos fatores que exercem influência sobre a Oferta. Talvez marginalmente, a atual administração tenha decidido atacar alguns entraves à produção, com reduções pontuais de impostos [cujo efeito ainda é incerto]. Isto porque ela sabe que o endividamento das famílias possui um claro limite.

Gerar ciclos de crescimento com crédito é importante. O problema é que o organismo econômico sempre [sempre] exagera tais ciclos. Você, leitor, verá cada vez mais "inovações" nessa área. Parcelas cada vez mais longas, desconto em folha para compra de bens, empréstimos com o carro como garantia etc. Tudo para compra de mais e mais produtos. Talvez um fogão novo, uma geladeira novo, um sofá, celulares...

Quando isso para? Quando a inadimplência começar a dar sinais de que veio para ficar. Quando isso acontecer, já será tarde demais. Não seria melhor antecipar esse movimento?

 

Compartilhe esse artigo

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Email
Print

Comente o que achou desse artigo

Outros artigos relacionados

Criando um Dashboard de análise de Ações no Python

Um Dashboard é um painel de controle que consolida uma variedade de informações sobre um determinado objeto de estudo em um ou mais painéis. Ele simplifica significativamente o processo de análise de dados, oferecendo uma visão global e fácil de entender. Uma maneira simples de construir um Dashboard para acompanhar uma ação específica é utilizando duas ferramentas: Quarto e Python. Neste post, mostramos o resultado da criação de um Dashboard de Ação.

Analisando séries temporais no Python e esquecendo de vez o Excel

Séries temporais representam uma disciplina extremamente importante em diversas áreas, principalmente na economia e na ciência de dados. Mas, afinal, como lidar com esses dados que se apresentam ao longo do tempo? Neste exercício, demonstraremos como compreender uma série temporal e como o Python se destaca como uma das melhores ferramentas para analisar esse tipo de dado.

Cálculo do Retorno Econômico de uma Política Pública

Como podemos traduzir os efeitos de uma política pública para valores monetários? Essa é uma tarefa árdua que requer algumas premissas, entretanto, com métodos bem definidos, é possível obter estimativas precisas dos ganhos e os gastos de uma política pública.

Neste exercício, demonstramos tal método usando a política hipotética "Mãe Paranense”, um conjunto de ações que visam reduzir a mortalidade materna e infantil no estado. Usamos a linguagem R como ferramenta para analisar os dados.

como podemos ajudar?

Preencha os seus dados abaixo e fale conosco no WhatsApp

Boletim AM

Preencha o formulário abaixo para receber nossos boletins semanais diretamente em seu e-mail.