A comunicação do banco central com o público tornou-se tão importante que, chegado ao limite mínimo da taxa básica de juros, ela é a essência da política monetária. A razão disso é simples. Dado o avanço da informática e das telecomunicações, o poder de processamento de informações avançou de forma estrondosa nas últimas décadas. Isso gera reação quase instantânea dos agentes privados a novas informações. Se essas vierem do banco central, então, a reação é mais do que imediata. Para o bem ou para mal, desse modo, a comunicação do banco central afeta de forma contundente as expectativas do público, o que faz a curva de juros reagir de forma bastante direta a mudanças na condução presente da política monetária. Se é assim, a estória contada pelas atas do Comitê de Política Monetária (Copom) precisa levar em consideração as expectativas dos agentes, algo que até aqui não tem se colocado.
Para o leitor não iniciado, o Comitê divulga, uma semana após as suas reuniões, uma ata contendo as razões que o levaram a tomar determinada decisão de política monetária. Para efeitos do atual ciclo de contração monetária, isto é, elevação da taxa básica de juros, a estória começa em abril de 2013, na reunião 174, quando parte dos membros do Comitê entenderam que era preciso iniciar o processo. Dois deles, diga-se, votaram a favor da manutenção da taxa em 7,25%.
Na reunião seguinte os membros voltaram a unanimidade e decidiram elevar a taxa em 50 pontos-base, para 8% ao ano. O processo seguiu meio que sem surpresas até a reunião 177, quando apareceu na ata a ideia de que o banco central via condições para que o setor público praticasse uma política fiscal neutra em relação à demanda agregada. Em outros termos, a variação do superávit estrutural (do setor público) entre dois períodos seria nulo, não gerando maiores impactos sobre a demanda por bens e serviços. Nessa reunião a Selic foi elevada em mais 50 pontos-base, para 9% ao ano.
Duas reuniões depois, ao fim de novembro, o banco central sinalizou na ata a existência de defasagens entre o processo de ajuste na taxa de juros e o contágio para os preços. Para bom entendedor, a elevação da taxa básica seguia para seus capítulos finais. Em janeiro, com o resultado do IPCA de dezembro bastante afetado pela alta da gasolina, o banco central continuou com o ritmo de 50 pontos-base de aumento, mas destacou no comunicado imediatamente posterior à reunião o termo nesse momento, para justificar a elevação. Além disso, começou a sinalizar a dependência dos dados para a continuação do ciclo de contração monetária.
De um lado, o banco vê pressões inflacionárias remanescentes sobre a economia, de outro mostra as defasagens da política monetária e o processo de redução do hiato entre oferta e demanda. Isso pode ser observado no parágrafo 1, com o "certa persistência" da inflação e no parágrafo 26 quando mostra "surpresa" com o patamar ainda elevado da inflação nesse primeiro trimestre de 2014. Já o hiato menor entre oferta e demanda é adicionado no parágrafo 21, quando vê perspectivas mais favoráveis para o avanço da oferta, pressionando menos os preços.
Essa perspectiva "data dependence" continua na reunião 181, a última até aqui. Acrescentou-se, ainda, o termo cumulativo quando disse no parágrafo 31 que "(...) o Comitê podera que os efeitos das ações de política monetária sobre a inflação são cumulativos e se manifestam com defasagens". Além disso, o Comitê também viu pressões no mercado de commodities, o que dá a noção de que quer parar o processo de elevação dos juros, mas depende das circunstâncias para fazê-lo.
O comportamento dos preços ainda reflete um setor de serviços bastante pujante, com preços ainda em patamar elevado, dada a baixa taxa de desemprego. Em fevereiro, o acumulado em 12 meses ficou em 7,57% e espera-se que atinja valores ainda maiores ao longo do ano com o advento da Copa do Mundo. Some-se a isso, o aumento dos preços administrados nesse início de ano - que deve continuar - e os choques adversos nos alimentos, advindos de pressão no índice de commodities. A conjuntura é, desse modo, desfavorável ao desejo de parar da autoridade monetária.
As expectativas dos agentes sintetizam essas pressões remanescentes sobre os preços. Em 14/03, último dado disponível, para 2014 as expectativas estavam em 6,13% e para o próximo ano em 5,75%. Para os próximos 12 meses, a média está em 6,23% e a mediana em 6,13%. Isso a despeito da própria inflação observada ter cedido de 6,7% em junho de 2013 para 5,68% em fevereiro desse ano. É que os agentes esperam um avanço de 4,5% nos preços administrados - ano passado eles fecharam em 1,5%. Além, é claro, de estarem alinhados com a persistência da inflação de serviços e com os choques de oferta que se materializaram nesse 1ª trimestre - ao menos no atacado. É justamente por isso que as expectativas teimam em não se reduzir, a despeito do esforço contracionista de 350 pontos-base, como mostra no gráfico que ilustra o post.
Em assim sendo, leitor, a estória contada pelas atas do Copom caminha na direção de tentar encerrar o ciclo de contração. Dado o impacto fiscal "neutro", uma melhora das condições globais, redução do hiato entre oferta e demanda e as defasagens naturais do processo de transmissão da política monetária. De outro lado, o Copom se mostra reticente em dar por terminado o ciclo, haja visto o nível ainda elevado (e resistente) da inflação, bem como as pressões sobre serviços, advindas de um mercado de trabalho com estreita margem de ociosidade. O balanço desses aspectos é o que determinará se a elevação de juros termina nos 11% na reunião de abril ou se continua para além disso nas próximas reuniões. Minha leitura, nesse momento, é que continua.