A importância da credibilidade do Banco Central: versão para não iniciados.

Credibilidade, em um sentido solto da definição acadêmica tem a ver com fazer a coisa certa no momento certo. Não necessariamente, nesse sentido, mantendo a mesma posição sempre. Pessoas e instituições têm mais ou menos credibilidade de acordo com a não frustração de expectativas. Se a gente espera algo de alguém, afinal, e ela cumpre com aquilo, é muito provável que continuemos esperando o mesmo comportamento em futuro próximo. Do contrário, simplesmente passamos a esperar muitas outras coisas: aqui, leitor, a criatividade dos incrédulos não tem limites. Passando a palavra ao Banco Central, guardião do poder de compra da moeda - e, em um mundo mais careta, apenas isso - o que seria a definição mais precisa de credibilidade?

Se credibilidade tem a ver com fazer a coisa certa no momento certo, então é provável que quando estamos falando de alguém que tem em seus atributos uma meta de inflação, seria esperado que ele alcançasse essa meta ao longo do tempo. Em outras palavras, espera-se que nos próximos anos a inflação estará no centro da meta, se nos anos anteriores o Banco Central não apenas se comprometeu, mas conseguiu manter a inflação efetivamente observada dentro da meta. Caso contrário, as pessoas tenderão a rever seus planos, baseando-se nos conselhos de outros analistas, empregando toda a sorte de cenarização possível. Pergunto, leitor: em que medida isso é ruim?

Você pode achar aqui, muita gente boa por ai, inclusive economistas de renomada estirpe, acham isso, que o tema da credibilidade de bancos centrais seja algo acadêmico demais para que pessoas normais se preocupem com ela. Moeda, bancos centrais, política monetária, afinal, são temas muito áridos para que eleitores sejam seduzidos. Será?

A falta de crença nas ações do Banco Central, como dito, gera uma grande confusão. É como se, em meio a uma multidão, todos ouvissem um barulho, um estrondo. Ao invés de todos olharem para a origem do estrondo, pessoas normais correm, simplesmente. Sem ordem, mas batendo cabeça umas com as outras: deixando os idosos e as crianças para trás. Em um mundo onde não há regras, apenas o zumbir de vozes ecoando por ai, cada pessoa tentará o que é melhor para si. Conjuntamente, não sei dizer se é impossível, mas é muito provável que não se alcance um bem estar melhor para todos.

Feita a digressão, leitor, quando o processo inflacionário se alastra pela economia, haverá uma corrida desnorteada para se proteger da perda de poder de compra. As pessoas tentarão, de variadas formas, passar para frente os problemas causados por essa inflação. Empresários tentarão repassar o aumento de preço para os consumidores, que, por sua vez, barganharão aumentos de salários, tentando repor as perdas provocadas pela inflação. O ciclo tem início, meio e reinício: nunca fim. A espiral inflacionária, para usar o termo surrado de décadas atrás, não tem limites: ela corrói o mecanismo de preço até o ponto onde este não serve mais de coisa alguma. Já não consegue mais sinalizar se há excesso ou restrição de oferta ou excesso ou restrição de demanda. O que sobra é uma economia onde todas as pessoas indexaram de alguma forma seus rendimentos, visando sempre se proteger da corrosão causada pelo processo inflacionário.

E aqui, leitor, é importante lembrar da credibilidade. A ausência dessa é causada por um Banco Central que não faz a coisa certa no momento adequado. Ele trai a confiança das pessoas, de modo que uma vez traídos, dificilmente essas confiarão novamente no guardião do poder de compra da moeda. Com credibilidade, entretanto, as pessoas confiam que a autoridade monetária fará a coisa certa no momento adequando, mesmo que em alguns períodos seja necessário ser um pouco mais complacente com a oferta de moeda na economia. A flexibilidade é imposta pelo ciclo econômico, onde nas condições imperfeitas do mercado em que vivemos, há toda a sorte de falhas que podem não gerar um ponto de bem estar que seja adequado entre produtores e consumidores. Nesse caso, será que vale a pena trair o público?

É algo interessante, e tem confundido muita gente boa por ai. Trair, leitor, nunca é uma opção, porque inicia todo aquele processo vicioso descrito acima. Mas ser flexível é diferente: não é porque você bebe socialmente nos finais de semana que está sendo leniente com a sua saúde. O Banco Central pode, em certo sentido, acomodar, por exemplo, aumentos de preço localizados em alguns bens e serviços, sem necessariamente reagir, impondo perdas ao nível de atividade da economia. Ele não precisa necessariamente, por exemplo, reagir a uma quebra de safra nos EUA: ele pode acomodar dentro das bandas de tolerância da meta de inflação. Mas para que isso seja aceito por todas aquelas pessoas, ele precisa ser coerente e dizer que se trata de choques no lado da oferta. Mas isso não basta: as pessoas têm de se convencer disso. Ou seja, a comunicação do Banco Central com o público precisa estar azeitada ao ponto de não causar problemas de ruídos na mensagem. Porque mesmo que o Banco Central esteja correto em sua análise, uma comunicação mal feita já é o suficiente para que as pessoas desconfiem. É como o marido que pode estar trabalhando até tarde, todos os dias, mas como não consegue explicar adequadamente a situação à esposa, corre o risco de estar sendo acusado de traição.

E qual seria o caso do nosso país: um problema de comunicação ou um problema de traição? Infelizmente, leitor, tudo começou com uma questão de não fazer a coisa certa no momento certo. Algo que a literatura define como traição: o Banco Central traiu os seus próprios planos, deixando as pessoas sem um porto seguro, onde pudessem ancorar suas expectativas para o futuro. Hoje, entretanto, já não é apenas um problema de crença: mesmo que amanhã ele decidisse cumprir seus objetivos de forma parcimoniosa, é provável que tivesse de incrementar seu diálogo com o público. Mesmo que, por exemplo, estivesse fazendo um processo de contração monetária visando elevar o preço do dinheiro, isto é, a taxa básica de juros, é provável que tivesse de comunicar essa estratégia com bastante zelo e atenção.

Isto porque, uma vez tendo a fama de traidor de expectativas, torna-se muito custoso voltar ao ponto onde isso não era uma verdade escrita nas pedras de Yap. Não digo impossível, porque dá para recuperar: mas a cada ponto que se passa, o comprometimento com regimes menos flexíveis se torna condição necessária para incrementar a credibilidade perdida. Há, desse modo, uma relação bastante íntima entre credibilidade e flexibilidade: quanto mais as pessoas confiam em você, menos xiita em seus objetivos você tem de ser. Caso contrário, o futebol aos domingos com os amigos está cortado, leitor.

A leitura que se faz da condução da política monetária no Brasil é precisamente um misto entre traição passada e problemas de comunicação presente. O Banco Central brasileiro parece ter se arrependido de colocar a taxa real de juros em patamares bastante reduzidos para os nossos fundamentos. Sem credibilidade, por suposto, é muito mais custoso retomar expectativas das pessoas. Com falhas em comunicar seus planos, exibindo por exemplo uma espécie de condescendência com o lado fiscal da política econômica, torna o caminho para desinflacionar a economia ainda mais incestuoso. Não por outro motivo, leitor, que se o Banco Central quiser retomar a crença das pessoas terá de elevar a taxa básica de juros para níveis pré-traição, na casa de 12,5%. Caso contrário, manterá a economia convivendo com inflação acumulada em 12 meses bem próxima ao limite superior da meta.

A escolha, difícil para alguns, óbvia em termos de incremento no bem estar para outros, terá de ser tomada por uma instituição reconhecidamente capaz de fazê-lo. Mas sob quais restrições? Será que o ministro da fazenda tem voz ativa no comando da autoridade monetária? E o que dirá da presidente, uma economista que precisa reafirmar a todo o instante o seu compromisso com os contratos? Não precisa ser especialista em política monetária para saber que, no mínimo, fica difícil confiar no Banco Central dados esses conluios: por mais que queiramos acreditar.

Em assim sendo, a credibilidade do Banco Central, apesar de ser um nome pomposo, diz exatamente o simples que todos sabemos: que quando não fazemos a coisa certa, como convidá-la para sair em uma terça à noite, liga-se o alarme da insegurança. Com isso, as pessoas criativas elaboram mil outros planos, que nada tem a ver com o namoro tranquilo original. Pessoas criativas, leitor, são um grande risco para o mecanismo de preço, posto que tendem a dilacerá-lo com o tempo. Esperemos que ainda haja oportunidade para parar esse retrocesso.

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