A ata do Copom, divulgada na última quinta-feira, não é clara sobre a continuação do ciclo de aumento da taxa Selic. E nem era esperado que fosse. O Banco Central trabalha com dois problemas: pressão inflacionária doméstica e cenário externo. O primeiro é causado, notadamente, pelo aumento de preço de serviços, diretamente influenciados pelo mercado de trabalho aquecido e pelo contínuo aumento do crédito - ainda que a taxas mais modestas que as verificadas nos últimos trimestres. Já o segundo, como todos sabem, vem dos problemas do Velho e também do Novo Mundo. O pacote grego não eliminou o risco de default na zona do euro, assim como o problema americano não é apenas aumentar [ou não] o teto da dívida: é preciso verificar se a economia dos EUA conseguirá se recuperar nos próximos anos.
Não fosse o problema com o cenário externo, a autoridade monetária faria uma "parada técnica" na próxima reunião [ou já teria feito nessa reunião de julho], dado que precisa considerar a defasagem na transmissão das medidas de política monetária (sejam as macroprudenciais, seja o aumento da taxa Selic). Isso fica bastante claro no parágrafo 28, quando diz que:
"No âmbito interno, ações macroprudencias e, principalmente, ações convencionais de política monetária recentemente implementadas ainda terão seus efeitos incorporados à dinâmica dos preços, processo que tende a se acentuar neste semestre. Embora incertezas elevadas e crescentes que cercam o cenário global e, em escala marcadamente menor, o cenário doméstico, não permitam identificar com clareza o grau de perenidade de pressões inflacionárias recentes, o Comitê avalia que o cenário prospectivo para a inflação mostra sinais mais favoráveis".
Isto é ratificado se olharmos para os três últimos processos de elevação da taxa Selic (gráfico abaixo). No ciclo atual o Copom já elevou a taxa básica em 375 pontos-base, igualando-se ao período entre junho de 2004 a maio de 2005. Se somarmos as medidas macroprudenciais adotadas (aumento de compulsório e maior exigência de capital dos bancos para empréstimos) esse é o maior aperto monetário dos últimos anos.
(clique na figura para ampliar)
Tal aperto está em consonância com a persistência e complexidade do processo inflacionário. O Banco Central vem lidando, desde o final de 2010, com vários incêndios nesse campo. Lidou com um choque de oferta externo e interno, fruto de aumento de preços de commodities e custos de alguns preços administrados internos. Além disso, teve que observar uma maior pressão sobre o hiato do produto, em um claro descolamento da demanda global em relação à oferta interna. Inflação de demanda e de custos exigiu, portanto, uma tomada de posição bastante agressiva da autoridade monetária brasileira, se comparada aos demais bancos centrais do mundo. E isso, para os que acompanham a condução da política monetária brasileira não é novidade: apenas a demonstração cabal da aversão à inflação que ainda persiste na sociedade brasileira.
Como mostrado, o Copom entende que o cenário prospectivo para a inflação apresentou melhoras. Tal visão apoia-se em alguns fatores, a saber: i) dissipação dos choques de oferta que afetaram a economia brasileira no primeiro trimstre; ii) redução do índice de difusão do IPCA, mostrando menor disseminação da alta de preços; iii) perspectiva de menor repasse de alta de preços do atacado para os preços ao consumidor; iv) maturação de investimentos realizados ao longo de 2010; v) efetivação do superávit-primário e consolidação fiscal conforme anunciado pelo governo central; vi) expansão mais moderada do crédito; vii) efeito [defasado] das medidas macroprudenciais e do aumento da taxa selic no segundo semestre. Em assim sendo, o Copom entende que a inflação, no acumulado de 12 meses, deve começar a recuar a partir do último trimestre de 2011.
Mas tudo isso seria indicativo de que o Copom parará de subir a Selic a partir da próxima reunião? No Relatório de Inflação, divulgado em junho, há uma tabela interessante sobre essa questão (posta abaixo). Tomando como hipóteses básicas que a Selic se manteria constante em 12,25% a.a. ao longo de todo o período de referência (até o segundo semestre de 2013) e que a taxa de câmbio ficaria em 1,60 R$/US$, a mediana das projeções para o IPCA indicava convergência para a meta somente no segundo trimestre de 2013. Ao fim de 2012 [conforme compromisso do Banco Central assumido no relatório de dezembro de 2010], a mediana estaria em 4,8%, um pouco acima da meta, portanto.
Como a construção dessa tabela é coberta por incertezas - daí a necessidade de construção de intervalos de confiança - o que se pode inferir de concreto é que a mediana das projeções cai ao longo dos trimestres, indicando que as medidas adotadas pelo Banco Central terão o efeito esperado. Desse modo, caso não haja nenhum dado novo vindo do cenário externo [maiores problemas com a Europa, com os EUA e com a própria China] a minha aposta é em uma parada técnica já na próxima reunião, dada a maturação daquelas condições listadas acima.