Crédito direcionado e Política Monetária: por que o aumento da Selic não está sendo suficiente?

créditopúblicoO ajuste na taxa básica de juros chega aos preços com alguma defasagem, sabe o leitor que acompanha a (macro)economia. No atual ciclo de contração moentária, há tanto problemas nos canais de transmissão desse ajuste para os preços quanto reversão de juros reais historicamente baixos - esse último ponto eu abordei em artigo anterior. A junção desses dois aspectos explica porque o aumento da Selic ainda não produziu arrefecimento dos preços. Em particular, mudanças nos juros são repassadas aos preços por cinco mecanismos de transmissão: a estrutura a termo da taxa de juros, as expectativas, o preço de ativos, o câmbio e o crédito. Há problemas de transmissão em ao menos quatro deles. Com relação ao último mecanismo, o Banco Central vem ressaltando em seus documentos, não de hoje, mas já há algum tempo, a dificuldade de contê-lo, dado o contínuo crescimento da parcela subsidiada ou direcionada. Na última ata, por exemplo, repetiu a ressalva no parágrafo 25: "(...) o Comitê considera oportunas iniciativas no sentido de moderar concessões de subsídios por intermédio de operações de crédito". Ele o faz dado que o crédito direcionado tem crescido a taxa de 25%, enquanto o livre mantém crescimento de 9%, pela média móvel de 12 meses. Mais importante é que enquanto a parcela de crédito livre mostra trajetória decrescente no ritmo de crescimento desde o final de 2011, a parcela direcionada conserva essa taxa elevada desde então. Em outros termos, a autoridade monetária empreende um ajuste na taxa básica de um lado, enquanto uma parte do crédito total não observa moderação de outro. Torna-se, com efeito, difícil moderar os preços, não é mesmo?

O gráfico acima ilustra o processo, tendo em vista a diferença entre bancos públicos e privados. O crédito direcionado está concentrado em bancos públicos, sendo apenas uma pequena parte operada por bancos privados. Acaso não tivéssemos essa informação, é fácil inferi-la dos dados. Sabemos que enquanto o crédito livre mantém trajetória decrescente em seu crescimento desde o final de 2011, o direcionado mantém taxas acima de 20%. Com efeito, a média móvel dos empréstimos dos bancos públicos cresce no período, enquanto a média dos bancos privados cai. O resultado final do processo é que aqueles possuem atualmente 52% de participação no saldo total de crédito, ultrapassando assim os bancos privados.

Sabemos que o crédito direcionado é insensível à taxa Selic, sendo movido apenas pela disposição do governo em subsidiar ou não determinados setores da sociedade. Desse modo, preocupa o fato que o crédito direcionado seja hoje 45% do crédito total. Em janeiro de 2008 ele era de 33%. Além do problema do nível historicamente baixo de juros reais que ressaltei em artigo anterior (aqui), significa dizer, leitor, que o banco central deve empreender um esforço de juros muito maior hoje do que era necessário há alguns anos. Isto porque, quase metade do crédito total é simplesmente insensível à política monetária.

Apenas no final de 2013 o crédito dos bancos públicos começou a apresentar redução no crescimento. Deixou uma taxa de 28% em outubro para 26% em fevereiro desse ano. Uma moderação singela frente ao nível de crescimento que está apresentando. Dado que o crédito dos bancos privados está crescendo a 7%, levará um bom tempo para que estes consigam recuperar o share perdido no saldo total. Tal descompasso reflete o comportamento na margem do crédito livre e do direcionado, como ressaltado anteriormente.

Interessante notar, ainda, que o aumento do crédito dos bancos públicos desde o final de 2011 esteve em linha com a redução da taxa Selic iniciada em agosto do mesmo ano. Some-se isso à redução do superávit primário, de um patamar de 2,4% em 2011 para 1,1% em 2013 - já descontadas as receitas extraordinárias. Em outros termos, a política macroeconômica foi colocada em orientação expansionista desde então, seja em seu aspecto monetário, fiscal ou parafiscal (bancos públicos). No momento em que o banco central começou a diminuir o "chope" da festa, em abril de 2013 com o aumento da Selic, os demais anfitriões não estavam lá muito alinhados a essa alteração. Tanto a política fiscal continuou o ritmo expansionista quanto o crédito público manteve taxas robustas de crescimento. Por esse e outros motivos tem sido difícil conter o aumento das expectativas de inflação.

Em assim sendo, para que a meta de inflação seja recuperada será preciso muito mais do que aumentar a taxa Selic. É imperioso que seja aumentado o superávit primário para o patamar vigente antes da crise, em torno de 3%. Além disso, será necessário reduzir a parcela do crédito direcionado - e, consequentemente, dos bancos públicos - sobre o crédito total. Sem essas - e algumas outras, como tenho destacado nesse e outros espaços - alterações na política macroeconômica, o banco central continuará tendo soberba dificuldade para contrair o avanço das expectativas e, consequentemente, da inflação.

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