Esse blog é pautado por três coisas, leitor: ideias, dados e R. Ou seja, gostamos de testar hipóteses. Confrontar certas ideias ao mundo real, através de dados disponíveis. Por isso, muito me entristece ler uma coluna como a de Laura Carvalho, publicada hoje na Folha de SP. Titulada "Os muros de Brasília", faz uma crítica à condução da política econômica (fiscal e monetária) com base em regras. Laura parece ser a favor da discrição, i.e., à ideia de que a política econômica deve ser calibrada a cada ponto do tempo, de acordo com o ambiente econômico e com os desejos do comandante em chefe. Regras, para Laura, seriam uma mera desculpa para delegar a política econômica para tecnocratas e representantes do mercado financeiro.
Antes de mais nada, é preciso dizer que Laura Carvalho, atualmente professora da USP, ignora a teoria econômica. Em particular, ignora o debate sobre regra ou discrição na condução da política econômica. Debate esse bastante antigo e consolidado na literatura, cuja vantagem de se adotar regras ao invés de guiar a política econômica de forma discricionária é bastante conhecida por quem é do ramo. Basicamente porque se as expectativas dos agentes importam, a condução discricionária da política econômica aumenta a imprevisibilidade do ambiente econômico. Mais imprevisibilidade, menos investimentos, menos produtividade e, geralmente, mais inflação - exatamente, aliás, o que vemos hoje no Brasil. Para quem quiser conhecer um pouco dessa discussão, recomendo um livrinho bem legal e simples do professor Alan Blinder aqui.
Laura ignora, ademais, as evidências empíricas que suportam o debate regra vs. discrição. Ao lembrar a ideia de mandato para o Banco Central, por exemplo, Laura faz alusão ao Federal Reserve, o Banco Central norte-americano. Nas palavras da professora:
"(...) Isso tem servido também para fundamentar a adoção de um mandato único para o Banco Central do Brasil, que, ao contrário do banco central norte-americano, não inclui o nível de emprego entre os seus objetivos".
O argumento não é, digamos, novo. Todo mundo que tem a mesma opinião que Laura sobre independência do Banco Central costuma lembrar que o Federal Reserve tem duplo mandato: inflação baixa e pleno emprego. Laura e os seus, entretanto, nunca lembram (propositalmente?) que os Estados Unidos enfrentaram na década de 70 a aceleração da inflação, advinda de choques de oferta (pasmem, keynesianos!), com política monetária. Com efeito, o Federal Reserve ganhou credibilidade como um banco que não tolera inflação. Para não perder o hábito, abaixo a evidência empírica do que estamos falando aqui...
Laura ignora, por fim, a atual situação da economia brasileira. Para ilustrar, vejamos. Se o Banco Central ou o Ministério da Fazenda conduzem a política monetária e fiscal de forma correta durante vários períodos, essas instituições adquirem credibilidade. Uma vez tendo credibilidade podem fazer política econômica anticíclica quando a economia for atingida por um choque externo. A regra não é uma camisa de força, como bem estabelecido na literatura. Deve-se ter válvulas de escape que permitam acomodar choques sobre a economia.
Pode ser que a meta de inflação ou a meta fiscal não possam ser alcançadas em determinado ano, dado um evento fora do controle do policymaker. Isso deve estar contemplado no arranjo de política econômica, de modo justamente a aumentar o grau de previsibilidade para os agentes. É algo pacífico na literatura e bastante utilizado em outros países.
O problema do Brasil, entretanto, é que nós abandonamos qualquer meta nos últimos anos. Seja fiscal ou de inflação. A inflação rompeu qualquer limite pré-estabelecido e o superávit primário virou déficit. Com efeito, as previsões para a Dívida Pública situam-se em 90% para os próximos anos, bem como a inflação converge para a meta apenas em 2018, diz o Banco Central. Para que, portanto, a política econômica brasileira volte a ter alguma credibilidade, deixando de ser um ruído para os agentes, parece trivial que ela deve voltar a ser guiada por regras.
Laura Carvalho, professora da USP, em sua coluna "Os muros de Brasília", constrói ela própria muros. Para a compreensão por leigos de um debate rico e estabelecido na teoria econômica, com fartas evidências pró estabelecimento de regras na condução da política econômica. Triste, Laura. Muito triste... 🙁