Por que metas de inflação?

A condução da política monetária no Brasil vem sofrendo muitas críticas ao longo dos últimos meses. A comunicação do Banco Central com o público tem sido a principal fonte de distúrbios. Não se sabe ao certo qual a estratégia da autoridade monetária para a taxa de juros no curto prazo. Além disso, é nítida a interferência do Ministério da Fazenda, sugerindo que a estabilidade de preços não seria mais a única meta a ser perseguida. Ao seu lado estaria um intervalo para o câmbio e certo nível de crescimento econômico. Em assim sendo, faz-se necessário relembrar por que o regime de metas de inflação tornou-se relevante na última década.

Em primeiro lugar é preciso lembrar, infelizmente, que ainda há na teoria econômica muita divergência sobre a hipótese de neutralidade da moeda. Isto é, teria a política monetária “poder” para promover crescimento econômico? Há algum consenso sobre a existência de não neutralidade no curto prazo, provocada por rigidez de preços e salários. Os economistas chamam isso de trade-off entre inflação e crescimento (ou desemprego) e expressam tal relação em um plano euclidiano com a abscissa representando o nível de atividade (crescimento, desemprego...) e a ordenada representando o nível geral de preços. O trade-off, claro, é ilustrado por uma curva negativamente inclinada, chamada de Curva de Phillips. O problema (ou dissenso) está no longo termo: para o mainstream da profissão esse trade-off desaparece, tornando a curva uma reta vertical. Em outras palavras, no longo termo vale a Teoria Quantitativa da Moeda, que diz que mais emissão de moeda provoca apenas aumento de preços.

O mainstream da profissão considera que o trade-off existe porque há rigidez de preços e salários. Logo, se estes se tornam flexíveis à medida que o tempo passa, é natural pensar que mais moeda não cause menos desemprego ou mais crescimento e sim mais inflação. Ao leitor interessado na crítica, recomendo uma leitura da posição keynesiana e o conceito de demanda efetiva. Dito isto, passemos à segunda questão. Dado que existe um trade-off de curto prazo entre inflação e nível de atividade, o problema passa a ser como conduzir a política monetária. Isto é, como controlar a liquidez da economia?

Sob esse aspecto existem duas formas básicas: por meio de regras ou de forma discricionária. Esse é um debate antigo e a meu ver superado no interior da macroeconomia, apesar de muitos economistas ainda advogarem pela condução discricionária – o leitor interessado em história do pensamento macroeconômico pode conferir o interessante artigo “Rules, Discretion and Reputation in a model of monetary policy”, de Robert Barro e David Gordon. Regras formais têm mostrado ao longo das últimas décadas resultados muito superiores, seja em termos de estabilidade de preços, seja em termos de crescimento econômico. Não irei mais longe do que isso na defesa de regras de condução da política monetária.

Nesse contexto, dado que regras se mostraram melhores do que uma condução discricionária existe ao menos três formas de regimes monetários: metas cambiais, metas monetárias e metas de inflação. Antes de exaltar as características do último, tratemos das deficiências dos primeiros, sempre tendo em mente que o objetivo de qualquer regime monetário é o controle da liquidez de uma economia e, consequentemente, do nível geral de preços. Dado isto, é sabido que ter uma meta de câmbio – seja pontual ou intervalar – é deveras cansativo e mesmo improdutivo. Isto porque, a autoridade monetária tem que acumular uma quantidade não desprezível – e custosa – de reservas internacionais, visando manter a taxa de câmbio pretendida. Nesse regime os agentes estão a todo tempo testando o Banco Central, visando auferir ganhos de arbitragem entre os mercados spot e futuro. E geralmente eles vencem.

Além disso, vale dizer, a autoridade monetária perde o grau de liberdade na condução da política doméstica. Dado que o objetivo do regime cambial é importar o nível de preços externo, todo o gerenciamento de liquidez é orientado para suportar um nível de câmbio, o que deixa o Banco Central de mãos atadas frente a choques de demanda ou de oferta. Um mau negócio, portanto, leitor.

O segundo regime, o de metas monetárias, implica em tentar controlar a expansão dos agregados monetários. Em outros termos, a autoridade monetária se vê obrigada a tentar controlar não apenas a base monetária (papel moeda em poder do público mais reservas bancárias), mas todos os demais agregados, dado que os mesmos podem se tornar papel moeda (ou depósitos à vista) e, portanto, demanda a qualquer tempo. O leitor já percebe que diante do contínuo aperfeiçoamento do mercado financeiro e a ampla liquidez promovida pela existência de mercados secundários organizados de títulos públicos e privados, essa é uma tarefa no mínimo inglória. Para não dizer impossível nos tempos atuais.

O regime de metas de inflação (IT) surge assim meio que por eliminação, dadas as desvantagens inconciliáveis dos demais. Mas ele também contém suas vantagens, como veremos a seguir. No modelo de IT o papel primordial do Banco Central é servir como balizador de expectativas. Isto é, ele atua junto ao mercado para que uma determinada meta de inflação seja atingida. O Banco Central tem uma meta operacional – a taxa nominal de juros de curto prazo – e a utiliza visando influenciar os mecanismos de transmissão da política monetária. Se tudo correr bem, a taxa nominal de juros se transforma em taxa de juros real, dadas as expectativas de inflação. É essa taxa que ao fim e ao cabo das defasagens temporais gerará um nível de atividade condizente com a meta de inflação previamente estipulada. Em termos um pouco mais técnicos – e que o leitor pode pular se quiser – o Banco Central busca definir uma taxa nominal de juros, tentando fazer a taxa real convergir para seu valor neutro, aquele compatível com o produto potencial e, portanto, com um nível de preços estável.

O modelo é funcional porque primeiro não amarra as mãos da autoridade monetária frente a choques. Em qualquer regime de metas de inflação, existe um limite inferior e outro superior, visando ajustes a choques de oferta e/ou de demanda. Em segundo lugar, o modelo sugere implicitamente que a política monetária não causa crescimento. Este é dado em última instância pela dotação de fatores de produção da economia, expressa no conceito de PIB potencial; longe, portanto, das mãos dos condutores da política monetária. Em síntese, o modelo permite que a autoridade monetária suavize o ciclo econômico, tornando as recessões mais brandas, mas desaconselha qualquer exploração mais radical do trade-off expresso na Curva de Phillips, dado que isso ao fim e ao cabo só gera mais inflação.

Observe, portanto, leitor para que o modelo funcione é preciso que os agentes acreditem na autoridade monetária. Isto porque o Banco Central não tem o menor controle sobre a meta de inflação. Ele opera via mercado na expectativa de que o mesmo atenda a seus objetivos. Se, portanto, a meta de inflação anunciada não é crível ou se a taxa de juros real encontra-se muito abaixo daquela considerada neutra (condizente com a meta de inflação), os agentes desconfiam e começam a precificar (esperar) uma inflação mais alta no futuro. No limite, sem credibilidade, o regime simplesmente deixa de ser funcional.

Talvez nesse momento o leitor pergunte por que o Banco Central tentaria ir contra o mercado, gerando problemas de comunicação e desvio entre inflação esperada e efetiva. É que ele pode estar tentado a explorar aquele trade-off de curto prazo. E como isso implica em abandonar o regime monetário conduzido via regras, a condução da política monetária passa a gerar maior volatilidade. Os agentes simplesmente não sabem qual será a trajetória de juros praticada pela autoridade monetária. Maior volatilidade, maior incerteza, menor crescimento, mais expectativa de inflação no futuro. Tudo, portanto, o que um Banco Central não quer. Ao menos os respeitáveis. E, agora talvez fique mais claro ao leitor porque o regime de metas de inflação é sensível a um governo que quer alcançar algo que não está disponível. Parafraseando o ex-presidente do BACEN Gustavo Franco: não é possível ficar com o almoço e com o dinheiro ao mesmo tempo. Infelizmente...

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