2012: mais um ano decisivo para o Brasil.

Olhando em retrospectiva, o Brasil tem muito a comemorar. Passamos de um país atrasado, com uma hiperinflação incontrolável para um país macroeconomicamente civilizado, com boas perspectivas de crescimento econômico pela frente. Apesar disso, ainda não conseguimos avançar de forma contundente nas reformas estruturais que o país precisa para ser um país de fato desenvolvido. Nos últimos dez anos não avançamos nem um centímetro, diga-se. O objetivo do presente artigo é fazer uma análise da conjuntura econômica recente e avançar no debate sobre os limitantes do desenvolvimento brasileiro.

O Brasil cresceu a uma média de 3,89% ao ano nos últimos nove anos – supondo crescimento de 3% no ano passado. Um número mais significativo do que o mesmo do período imediatamente anterior – 2,6%. A conseqüência imediata foi uma queda virtuosa na taxa de desemprego aberto: de 13,1% em 2003 para 5,2% em novembro de 2011. Isso, dentre outras coisas, permitiu que cerca de 30 milhões de pessoas ascendessem à classe média; o que acabou por contribuir para solidificar o processo de crescimento econômico. Nesse aspecto, o consumo das famílias apresentou um vigoroso crescimento desde 2003, com médias trimestrais de 5% – comparada ao mesmo trimestre do ano anterior.

Os juros básicos seguiram sua curva de decadência. Eram 26,5% a.a. no início de 2003 e hoje são 11% a.a. A inflação, sempre uma preocupação nacional, se redimiu dos tempos em que eram acachapantes: estiveram em uma média de 5,9% ao ano no mesmo período.

Mas o que causou esse crescimento, leitor? Duas coisas: uma causa principal e outra secundária. Na primeira, o cenário externo excepcional, o melhor desde o imediato pós-guerra. Na segunda, um aumento vigoroso da relação crédito/PIB [de cerca de 20% para quase 50%], proporcionado pelas inovações institucionais [garantia fiduciária e crédito consignado, basicamente] e pelo ambiente externo mais receptivo.

Essa melhoria conjuntural, em conjunto com a política de manutenção dos superávits primários, permitiu ao governo brasileiro reduzir a exposição cambial da Dívida Pública Interna, elevar o nível das reservas internacionais e se tornar credor externo líquido, reduzindo sua exposição aos reveses internacionais. Tudo com um custo, é claro – as reservas internacionais são remuneradas via FED Funds, enquanto os passivos [a Dívida Interna] são remunerados basicamente à taxa Selic. A conseqüência prática dessa estratégia foi a conquista do grau de investimento pelas agências de rating.

A solidez fiscal, entretanto, é assim para inglês ver, leitor. Se reduzimos nossa exposição cambial [que alguns economistas criticam, vejam você!], deterioramos nossa contabilidade fiscal. Usamos de subterfúgios para trazer a valor presente ativos ainda não explorados [isso, falo sobre a mágica de 2010: o caso da Petrobrás], insistimos em manter reservas a um custo muito alto e não atacamos o problema dos gastos correntes.

Em outra perspectiva, para não darmos contornos pessimistas à análise, como exposto acima o desemprego permaneceu em patamares baixos no período recente – apesar dos dados do CAGED demonstrarem um arrefecimento nas contratações na margem. Isso indica que apesar do nível de atividade ter se deteriorado, os empresários estão apostando em uma recuperação já a partir do segundo semestre de 2012, o que os impedem de demitir mão-de-obra. Isso somado ao fato de a economia americana estar demonstrando sinais [mesmo que fracos] de retomada pode elevar o nível de atividade nos próximos trimestres. Mas não muito: crescimento de 5% em 2012, como quer o governo, está descartado pelo mercado – a última sondagem do Focus indica PIB rodando na casa dos 3%.

É claro que não se pode deixar de fora do modelo o fato de em 2012 haver eleições municipais, os projetos para a Copa e Olimpíada terem de ser acelerados, o salário mínimo ter sido reajustado em 14% e o poder da política econômica anticíclica – esta última levou um PIB estagnado em 2009 para o maior crescimento desde 1986 em 2010, de 7,5%. Tudo isso, ceteris paribus as condições externas, pode impulsionar um crescimento mais arrojado em 2012, o que acende o sinal de alerta para a inflação.

Nesse contexto, no acumulado de 12 meses, o IPCA fechou dezembro em 6,5%, no limite máximo permitido pelo regime de metas de inflação. O que preocupa é se os fatores que impulsionam a demanda não refletirão em um aumento do nível de preços já no segundo semestre deste ano. Isso claro se não houver um efeito deflacionário do lado das commodities. A tendência é que o Banco Central acomode as expectativas acima do centro da meta [4,5%], o que indica que convergência mesmo nem tão cedo.

Para que fique claro ao leitor o que estamos discutindo, há uma divisão básica na profissão de economista. Há os economistas da demanda e os da oferta. Para aqueles, tudo [ou quase tudo] se resolve com uma política econômica ativa [fiscal, monetária, cambial e industrial], tornando o mecanismo de mercado mais palatável para o crescimento econômico. Para estes, ao contrário, o mecanismo de preço sinaliza corretamente as informações do mercado e para que funcione plenamente é preciso que o Estado azeite as instituições formais e informais do país, tornando o ambiente de negócios menos rígido.

Essa divisão, leitor, perdura desde ao menos o início do século passado. Desde que Keynes publicou um manifesto a favor da intervenção estatal [ou, ao menos, é o que os economistas da demanda pensam]. De fato, é preciso ter uma política econômica ativa em momentos onde o ciclo econômico é depressivo. Parece ser muito darwinista a posição de alguns economistas da escola austríaca a visão de que o mercado corrigisse automaticamente, digerindo os erros alheios e que no fundo toda a sorte de problemas econômicos é causado unicamente por intervenções mal feitas do Estado na economia.

Mas vamos com calma, leitor amigo. Nem toda intervenção estatal é bem vinda. De fato, para cada problema gerado pelo mercado livre, há ao menos dois problemas causados por uma intervenção estatal. Você pode verificar isso na prática. Basta ver a generalização de risco moral que assolapou a Europa e os Estados Unidos. Mecanismos de cooperação e coordenação, como bem ensina a moderna teoria dos jogos, não são isentos de falhas. Quem garante que as instituições financeiras que erraram no cálculo econômico no passado recente não o farão novamente?

Nesse aspecto, há um fundo de verdade na interpretação austríaca. Todos os envolvidos no crash imobiliário americano [e em todos os outros da História] deveriam ser culpados – inclusive os mutuários! Para ser um pouco mais claro: qualquer perdão aqueles que cometeram erros na atual crise só adia a resolução macro da crise. O organismo econômico está em constante mutação. A política econômica é, nesse sentido, um remédio que ajuda o paciente a se libertar dos efeitos colaterais, mas não ataca o problema de frente. Lida apenas com os sintomas, não com as causas.

O que interfere nas causas, leitor, são as mudanças no lado da oferta. Reformas estruturais que impulsionem o ambiente de negócios, reduzam custos de transações, modelem melhor direitos de propriedade são a cura que qualquer economia precisa em momentos de crash no nível de atividade. Não adianta, portanto, querer insistir [apenas] em uma política econômica de demanda – leia-se juros baixos e aumento de gasto público. Até porque, o leitor sabe, tais políticas são limitadas e inconsistentes no tempo – vide o caso europeu, novamente.

E não precisa citar os modelos mais contemporâneos de política monetária para provar esse fato. Uma boa lida na obra do próprio Keynes já nos dá algumas dicas valiosas a esse respeito. A política econômica serve apenas para cotejar o ciclo econômico. Ela atua pontualmente para manter o PIB efetivo o mais perto possível do potencial de crescimento da economia. Ela não tem [não mesmo] capacidade para elevar o padrão de vida de uma população ad infinitum. Ainda que um grande contingente de economistas pense que isso é verdade. A política econômica pode “causar” mais crescimento apenas no curto prazo. No médio e longo prazos, são os fatores do lado da oferta que comandam. E nenhuma crise, diga-se, acabará com essa lição básica da teoria econômica.

À luz do que foi exposto, o que deve ficar claro para o Brasil nesse momento é que não se deve confundir maças com bananas. Temos, de fato, um background mais elevado em termo de resposta macroeconômica à crise. Mas isso não é suficiente para tornar o país imune aos problemas externos. De fato, a nossa vulnerabilidade aos problemas externos ainda é muito elevada, dado que qualquer redução de capitais gerará um problema crônico de balanço de pagamentos, fazendo com que o Banco Central aumente os juros básicos. Nossas reservas internacionais podem estar elevadas [e custosas, diga-se], mas não podem impedir [por muito tempo] uma deterioração maior das contas externas.

Além disso, na tarefa imaculada de gerenciar expectativas, a autoridade monetária não tem muito o que fazer a não ser dizer [via política monetária] que tudo acabará bem. Lembre-se o leitor que no Relatório de Inflação de dezembro de 2010, a perspectiva do BACEN era de crescimento da ordem de 4,5% em 2011. Cresceremos metade disso, com sorte. O que se vê, portanto, é que em termos de política econômica, ainda temos uma curva de aprendizagem muito grande para percorrer.

O que o governo deveria fazer, caso seu objetivo seja de fato tornar nosso país desenvolvido, seria recorrer à teoria econômica. Nela o que impulsiona o bem-estar da população é a correta mediação na oferta de fatores de produção. Ter uma população melhor educada, com maior acesso a saúde, torna a mão de obra mais produtiva. Ter um sistema judiciário mais eficiente, uma tributação leve e simplificada gera um ambiente de negócios menos burocrático, ajudando a alavancar a acumulação de capital, via aumento no fluxo de investimentos em capital físico. Além disso, com a garantia de direitos de propriedade, os investimentos em inovação são intensificados, fazendo com que a tecnologia de produção avance.

O leitor pode observar que a proliferação de universidades públicas, centros de pesquisa e um sistema nacional de inovação envolvendo inclusive crédito subvencionado [leia-se, sem obrigação de retorno] faça parte dessa cesta de bondades. Mas não, infelizmente. A manutenção de uma universidade estatal gratuita, pelo contrário, compete em bases predatórias com o avanço da universidade privada de ponta. Você pode observar isso na prática, novamente: conte quantas universidades privadas geram pesquisa de ponta no Brasil. Isso não acontece porque os donos dessas instituições são porcos capitalistas. A opção que lhes resta para existir no Brasil é reduzir custos via contratação de professores horistas e praticar preços camaradas para alunos motivados apenas para a conquista do diploma – nada tendo a ver com maior acúmulo de conhecimento.

Nesse aspecto, educação no Brasil tem muito mais a ver com sinalização do que com aumento de produtividade. O término de um ciclo de ensino gera ganhos salariais da ordem de 25%, sendo maior quanto mais elevado for o nível de educação atingido – dado que o estoque de mão de obra educada ainda é muito baixo. A qualidade da educação ficou em segundo plano, infelizmente.

Mas para não nos perder, o que deve ficar claro é que o governo deveria estar investindo em solidez do ambiente de negócios brasileiro. Isso, infelizmente, não é trivial e não dá muitos votos. É preciso enfrentar o problema educacional de frente, redistribuindo recursos do ensino superior para o ensino básico [com muito mais externalidades sociais]. É preciso acabar com o crédito direcionado, reflexo de um clientelismo disfuncional e cancerígeno para a economia nacional. É preciso reestruturar o papel do BNDES, criar um mercado de dívidas privadas de longo prazo. É peremptório extinguir com o processo de indexação, via mudança na remuneração/reajuste de preços e ativos (títulos públicos, poupança, concessões públicas etc.). É preciso, por fim, tornar o judiciário brasileiro menos corporativista, mais eficiente e adepto às novas tecnologias.

Nunca é demais lembrar, leitor amigo, que a virtude está no meio. Salvo alguns marxistas anacrônicos, todo economista de bom senso sabe que nem oito, nem oitenta. Nem as políticas de demanda são a salvação da lavoura, nem a destruição criativa austríaca pode ser levada [muito] a sério. É preciso ficar com um olho no gato e outro no peixe. Ou seja, é preciso administrar o ciclo [sempre melhorando a capacidade de previsão dos modelos da autoridade monetária], mas também é preciso insistir nas reformas estruturais do lado da oferta. Com uma maioria acachapante no Congresso, não será muito difícil para a presidente em exercício. Feliz 2012 a todos e que Deus nos abençoe!

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