Andei pensando em como seria descrever a conjuntura econômica brasileira recente. Nada muito elaborado, apenas uma crônica que retratasse o período coberto pelo Plano Real, ou seja, uns 17 anos em alguns parágrafos descompromissados. É claro que não seria nada muito homogêneo, mas subdividido em ao menos três períodos. No primeiro, abarrotado por crises externas e ciclo dominado pelo consumo, sem reação do investimento. No segundo, com céu de brigadeiro no campo externo e, quem diria, uma reação virtuoso da Formação Bruta. Já no terceiro, um boom liderado por uma política econômica anticíclica, resultado da reação contra a crise de 2008-09.
O primeiro período foi consagrado por movimentos de stop and go, ou o popular voo de galinha. Um expurgo de consumo fazia a demanda doméstica reagir, o que aumentava o crescimento econômico. Tal movimento ou era interrompido pela política monetária, ou por um cenário externo deteriorado. No primeiro porque a oferta não acompanhava o aumento de demanda, gerando pressão inflacionária na economia. No segundo, por um overshooting cambial, dado por uma fuga de capitais - e que também fazia o Banco Central acionar a política monetária. Um tempo difícil em que a todo o instante o país era testado pelo mercado, as reservas internacionais eram baixas e a exposição cambial da dívida pública era significativa.
No segundo período, iniciado no terceiro trimestre de 2003, a demanda doméstica cresceu, seja via aumento do consumo [das famílias e do governo] e também via investimento. Os empresários reagiram ao aumento de demanda, seja ocupando a capacidade ociosa ou mesmo registrando investimentos para ampliá-la. O problema é que, dados os gargalos da economia brasileira (infra-estrutura, educação etc.), a oferta não consegue acompanhar o crescimento da demanda doméstica, o que incentiva o aumento de importações e, claro, gera pressões inflacionárias - o hiato do produto aumenta. Não é por outro motivo que convivemos com: 1) um descompasso crônico entre produção industrial e vendas no comércio; 2) inflação sempre acima do centro da meta.
No tocante à Inflação, somente em três dos últimos nove anos, o IPCA ficou próximo do centro da meta. Em um regime de metas de inflação, como se sabe, as bandas de tolerância [para cima ou para baixo] servem para acomodar choques e, por isso mesmo, não devem ser encaradas com normalidade. Situar o índice acima do centro da meta é um sinal inexorável dos gargalos existentes na economia brasileira.
Sobre esse período é bom que se diga que houve um impulso monetário considerável. No período entre junho de 2003 e julho de 2009 a taxa básica de juros caiu impressionantes 1725 pontos-base, o que ajuda a explicar, em conjunto com o cenário internacional benigno, o crescimento médio de 4% nos últimos oito anos [2003-2010], bem acima dos 2,3% dos oito anos anteriores.
A política monetária foi conduzida de forma razoavelmente eficiente tanto no primeiro quanto no segundo período aqui descrito. Mesmo a despeito de existirem pressões inflacionárias registradas no IPCA, fruto do descompasso crítico entre oferta e demanda e de choques, pode-se dizer que a autoridade monetária cumpriu bem o seu papel de condicionar a economia para uma taxa de juros real neutra de longo prazo. Tudo mudou, entretanto, no pós-crise, quando entrou em cena uma política fiscal já sem entraves. Ciclos políticos à parte, pois por ora é melhor não ir por ai, o fato é que nós nos lambuzamos com a política anticíclica.
A reação à crise, possível por uma queda homogênea dos preços de commodities - que compensou o overshooting cambial - foi além do necessário. A consequência disso foi um aprofundamento, ainda maior, do descompasso entre oferta e demanda, registrando em 2010 o maior crescimento econômico desde 1985. Dados os gargalos existentes, notadamente no mercado de trabalho, as pressões inflacionárias não tardariam a aparecer. Infladas ainda por um choque de oferta interno e externo, o IPCA em 12 meses fechou agosto em 7,23%, acima do limite superior da meta.
Nota-se, assim, que a decisão recente de baixar a Selic em 0,5% deve ser encarada com reticência. É claro que devemos reagir anticiclicamente à crises - dado que hoje podemos fazer isso. Mas não se pode deixar de lado um fato calamitante: existem gargalos que não permitem a oferta, ou produto potencial brasileiro, alçar voos maiores do que um certo limite. É esse teto que a política econômica, em suas várias dimensões, deve ter em mente. Um breve resumo da conjuntura econômica brasileira recente deve terminar com o seguinte conselho: não ignore o nosso potencial de crescimento. E isso não é coisa de monetarista...